É provável que nenhum alto executivo brasileiro tenha enfrentado tanta animosidade, vinda de tantas direções e ao mesmo tempo, quanto o engenheiro de produção Marco Antonio Bologna, presidente da TAM. Desde julho, quando o Airbus da empresa explodiu no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, Bologna vem enfrentando a ira de quatro diferentes grupos. Alguns dos acionistas da empresa criticam duramente a forma com que Bologna lidou com a crise que se seguiu ao acidente. As famílias das vítimas não o suportam. Membros do governo e do Congresso interpelam o executivo para tentar provar a culpa da TAM no acidente. Bologna não escapa sequer da indignação dos pilotos da companhia, que reclamam da carga horária pesada e dos salários, menores que os oferecidos pela concorrência. Todos -- ou quase todos -- estão hoje contra ele.
Nas últimas semanas, EXAME ouviu mais de 20 pessoas que têm ou tiveram algum tipo de contato com Bologna desde a tragédia do vôo 3054. Entre elas estão amigos, congressistas, conselheiros e funcionários da TAM. Em conversas gravadas, esses interlocutores contaram como Bologna vem se comportando diante desse cerco. "Para não ser hostilizado, ele tem evitado coisas básicas, como jantar fora e viajar nos fins de semana", diz um amigo que, como muitos outros, pediu para que seu nome não fosse divulgado.
A pressão por causa do acidente provocou mudanças profundas na rotina de Bologna -- tanto no plano pessoal como no profissional. Fora do escritório, ele se tornou uma pessoa reclusa e extremamente preocupada em não se deixar abater pelas críticas que recebe. Para estimular a produção de endorfina, hormônio que atua como uma espécie de antídoto contra a depressão, Bologna passou a correr cinco vezes por semana. Com a ajuda de um especialista, começou a tomar diariamente quatro comprimidos de um medicamento homeopático, Almeida Prado 35, recomendado para reduzir o nervosismo e a insônia. Sua vida social também foi reformulada. O medo de enfrentar a fúria de familiares das vítimas e pessoas solidárias a elas faz com que Bologna pouco saia de sua residência, em São Paulo. Sua casa na praia da Baleia, no litoral norte do estado e antes destino freqüente, está às moscas. As viagens de moto que fazia com amigos nos fins de semana foram igualmente suspensas. No escritório, Bologna decidiu intensificar a carga de trabalho. O número de reuniões diárias com executivos e assessores, que não passava de quatro, atingiu a média de oito. E agora ele passa 15 horas na sede da TAM, em Congonhas, 3 a mais que nos tempos pré-crise. Por mais que se esforce, porém, não consegue se livrar do estigma de "insensível" criado em torno de sua figura. A má fama obrigou-o, por exemplo, a delegar o trabalho de negociação com as famílias ao vice-presidente financeiro, Líbano Barroso, tido como mais hábil que seu chefe. "Seja isso racional ou não, as famílias ainda vêem no Bologna o culpado pela morte dos parentes", diz um diretor da TAM.
A origem da crise de Bologna, segundo membros do conselho de administração da companhia, está numa nítida incapacidade de se comunicar; algo que passa despercebido em condições normais de temperatura e pressão, mas torna-se característica fundamental para um presidente de uma empresa em crise. "Embora tenha se provado um bom administrador, ele não tem aptidão para lidar com o público", diz um dos cinco conselheiros que não fazem parte da família Amaro, controladora da companhia. Suas qualidades de gestor financeiro foram essenciais no caminho que levou a TAM da bancarrota, em 2001, para a bem-sucedida abertura de capital, em 2005. Sua carreira foi construída em bancos, onde nunca desenvolveu a habilidade da comunicação. A falta de preparo para expressar-se foi posta à prova na primeira entrevista coletiva concedida após o acidente, quando Bologna isentou, de pronto, a pista de Congonhas e o Airbus de qualquer responsabilidade pelo acidente. Dias depois, recebeu um telefonema indignado de Maurício Amaro (filho do comandante Rolim, fundador da TAM) com críticas às suas declarações. Os donos da empresa não gostaram do excesso de pragmatismo com que Bologna tratou a questão do reverso travado. "Ele falou do problema como se todos soubessem o que é um reverso pinado, e não deixou claro o que aquilo significava", diz outro membro do conselho de administração da companhia. "Isso abriu uma brecha para que a empresa fosse atacada por governo e opinião pública. Ficou parecendo que a TAM estava escondendo algo que tinha feito de errado."
O dado curioso é que a exposição pública de Bologna foi uma exigência dos próprios conselheiros. Durante a crise que quase parou as operações da TAM, em novembro do ano passado, o presidente destacou o executivo Paulo Castello Branco como porta-voz. A escolha provou-se um desastre, pois passou a impressão de que a empresa não levava a crise a sério. "Após o acidente, exigimos que Bologna tomasse o comando da crise publicamente", diz um conselheiro que esteve presente a todas as reuniões. "Não imaginávamos que o resultado seria esse." Entre as exigências dos membros do conselho está, claro, a contratação de um novo porta-voz para a companhia. A crise também reforçou um velho desejo dos acionistas: a renovação do quadro de executivos, algo que estava sendo postergado por Bologna. Um dos problemas identificados é a crise de relacionamento entre o corpo de diretores da TAM e seus pilotos, que reclamam do excesso de trabalho e exigem aumentos salariais. Segundo um comandante da empresa ouvido por EXAME, muitos deles pediram demissão após o acidente para trabalhar na concorrente Gol, que está pagando o dobro do salário oferecido pela TAM aos comandantes. "Ele nunca esteve tão exposto internamente", diz um diretor da companhia. Essa exposição é agravada pelo circo armado no Congresso para identificar as causas do acidente e do caos aéreo. Nos últimos dois meses, Bologna depôs duas vezes em comissões. Nesses encontros, membros da base do governo insinuaram que o acidente teria sido causado por falhas de manutenção da TAM. "O foco das discussões deixou de ser os problemas estruturais do setor e passou a ser a gestão do Bologna à frente da TAM", diz Gustavo Fruet, deputado federal do PSDB do Paraná e membro da CPI.
O acidente e a gestão inepta da crise fizeram com que a demissão de Bologna fosse tida como iminente. Na manhã de 11 de agosto, um sábado, ele recebeu o telefonema de um amigo, surpreso com a nota publicada na revista Veja em que se divulgava seu afastamento da presidência. Preocupado, Bologna enviou um e-mail a Maria Cláudia Amaro, acionista e presidente do conselho da TAM. Maria Cláudia soltou um comunicado para o mercado reafirmando o apoio ao executivo. Um dos motivos para que os boatos acerca de sua saída não tenham arrefecido é uma exigência feita, em sigilo, pelo conselho de administração: que Bologna apresente até o fim do ano um plano de sucessão. Segundo um conselheiro, a cobrança foi feita antes do acidente, e o projeto está sendo conduzido pela consultoria americana Spencer Stuart. Em setembro, a TAM contratou, com a ajuda da consultoria, um dos principais executivos da concorrente Gol -- David Barioni. Na TAM ele assumirá a vice-presidência de operações e será responsável também pela escala da tripulação e pela qualidade de vôo. De acordo com um conselheiro da companhia, Barioni é um dos candidatos a suceder Bologna, ao lado de Líbano Barroso (vice-presidente financeiro) e Wagner Ferreira (vice-presidente comercial). "Não há nenhum movimento para substituí-lo no cargo nos próximos meses", diz o conselheiro. Para reduzir o nível de cobrança a que vem sendo submetido, Bologna decidiu promover mudanças na companhia. Uma delas é a proibição de pousos nos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont com pista molhada, bem como o uso de aeronaves com reverso travado. Para aliviar a relação com os comandantes, determinou aumento de 30% na remuneração variável dos pilotos. O próximo passo será renovar o quadro de executivos. Tudo para que essa renovação não comece por outro posto -- o dele.
De onde vem a pressão
Desde o acidente com o Airbus em Congonhas, o presidente da TAM vem enfrentando a hostilidade de quatro grupos:
Acionistas e conselho
O que eles querem: Que Bologna tenha uma posição mais firme e assuma o papel de porta-voz da companhia
Membros do governo
O que eles querem: Que Bologna assuma a culpa do acidente sozinho, tirando a responsabilidade pelo caos aéreo das costas do governo
Parentes das vítimas
O que eles querem: Que o pagamento das indenizações seja feito o mais rápido possível
Pilotos e comissários da Tam
O que eles querem: Redução na jornada de trabalho, considerada exagerada e perigosa
Fonte: Por Daniella Camargos, in portalexame.abril.com.br
Nas últimas semanas, EXAME ouviu mais de 20 pessoas que têm ou tiveram algum tipo de contato com Bologna desde a tragédia do vôo 3054. Entre elas estão amigos, congressistas, conselheiros e funcionários da TAM. Em conversas gravadas, esses interlocutores contaram como Bologna vem se comportando diante desse cerco. "Para não ser hostilizado, ele tem evitado coisas básicas, como jantar fora e viajar nos fins de semana", diz um amigo que, como muitos outros, pediu para que seu nome não fosse divulgado.
A pressão por causa do acidente provocou mudanças profundas na rotina de Bologna -- tanto no plano pessoal como no profissional. Fora do escritório, ele se tornou uma pessoa reclusa e extremamente preocupada em não se deixar abater pelas críticas que recebe. Para estimular a produção de endorfina, hormônio que atua como uma espécie de antídoto contra a depressão, Bologna passou a correr cinco vezes por semana. Com a ajuda de um especialista, começou a tomar diariamente quatro comprimidos de um medicamento homeopático, Almeida Prado 35, recomendado para reduzir o nervosismo e a insônia. Sua vida social também foi reformulada. O medo de enfrentar a fúria de familiares das vítimas e pessoas solidárias a elas faz com que Bologna pouco saia de sua residência, em São Paulo. Sua casa na praia da Baleia, no litoral norte do estado e antes destino freqüente, está às moscas. As viagens de moto que fazia com amigos nos fins de semana foram igualmente suspensas. No escritório, Bologna decidiu intensificar a carga de trabalho. O número de reuniões diárias com executivos e assessores, que não passava de quatro, atingiu a média de oito. E agora ele passa 15 horas na sede da TAM, em Congonhas, 3 a mais que nos tempos pré-crise. Por mais que se esforce, porém, não consegue se livrar do estigma de "insensível" criado em torno de sua figura. A má fama obrigou-o, por exemplo, a delegar o trabalho de negociação com as famílias ao vice-presidente financeiro, Líbano Barroso, tido como mais hábil que seu chefe. "Seja isso racional ou não, as famílias ainda vêem no Bologna o culpado pela morte dos parentes", diz um diretor da TAM.
A origem da crise de Bologna, segundo membros do conselho de administração da companhia, está numa nítida incapacidade de se comunicar; algo que passa despercebido em condições normais de temperatura e pressão, mas torna-se característica fundamental para um presidente de uma empresa em crise. "Embora tenha se provado um bom administrador, ele não tem aptidão para lidar com o público", diz um dos cinco conselheiros que não fazem parte da família Amaro, controladora da companhia. Suas qualidades de gestor financeiro foram essenciais no caminho que levou a TAM da bancarrota, em 2001, para a bem-sucedida abertura de capital, em 2005. Sua carreira foi construída em bancos, onde nunca desenvolveu a habilidade da comunicação. A falta de preparo para expressar-se foi posta à prova na primeira entrevista coletiva concedida após o acidente, quando Bologna isentou, de pronto, a pista de Congonhas e o Airbus de qualquer responsabilidade pelo acidente. Dias depois, recebeu um telefonema indignado de Maurício Amaro (filho do comandante Rolim, fundador da TAM) com críticas às suas declarações. Os donos da empresa não gostaram do excesso de pragmatismo com que Bologna tratou a questão do reverso travado. "Ele falou do problema como se todos soubessem o que é um reverso pinado, e não deixou claro o que aquilo significava", diz outro membro do conselho de administração da companhia. "Isso abriu uma brecha para que a empresa fosse atacada por governo e opinião pública. Ficou parecendo que a TAM estava escondendo algo que tinha feito de errado."
O dado curioso é que a exposição pública de Bologna foi uma exigência dos próprios conselheiros. Durante a crise que quase parou as operações da TAM, em novembro do ano passado, o presidente destacou o executivo Paulo Castello Branco como porta-voz. A escolha provou-se um desastre, pois passou a impressão de que a empresa não levava a crise a sério. "Após o acidente, exigimos que Bologna tomasse o comando da crise publicamente", diz um conselheiro que esteve presente a todas as reuniões. "Não imaginávamos que o resultado seria esse." Entre as exigências dos membros do conselho está, claro, a contratação de um novo porta-voz para a companhia. A crise também reforçou um velho desejo dos acionistas: a renovação do quadro de executivos, algo que estava sendo postergado por Bologna. Um dos problemas identificados é a crise de relacionamento entre o corpo de diretores da TAM e seus pilotos, que reclamam do excesso de trabalho e exigem aumentos salariais. Segundo um comandante da empresa ouvido por EXAME, muitos deles pediram demissão após o acidente para trabalhar na concorrente Gol, que está pagando o dobro do salário oferecido pela TAM aos comandantes. "Ele nunca esteve tão exposto internamente", diz um diretor da companhia. Essa exposição é agravada pelo circo armado no Congresso para identificar as causas do acidente e do caos aéreo. Nos últimos dois meses, Bologna depôs duas vezes em comissões. Nesses encontros, membros da base do governo insinuaram que o acidente teria sido causado por falhas de manutenção da TAM. "O foco das discussões deixou de ser os problemas estruturais do setor e passou a ser a gestão do Bologna à frente da TAM", diz Gustavo Fruet, deputado federal do PSDB do Paraná e membro da CPI.
O acidente e a gestão inepta da crise fizeram com que a demissão de Bologna fosse tida como iminente. Na manhã de 11 de agosto, um sábado, ele recebeu o telefonema de um amigo, surpreso com a nota publicada na revista Veja em que se divulgava seu afastamento da presidência. Preocupado, Bologna enviou um e-mail a Maria Cláudia Amaro, acionista e presidente do conselho da TAM. Maria Cláudia soltou um comunicado para o mercado reafirmando o apoio ao executivo. Um dos motivos para que os boatos acerca de sua saída não tenham arrefecido é uma exigência feita, em sigilo, pelo conselho de administração: que Bologna apresente até o fim do ano um plano de sucessão. Segundo um conselheiro, a cobrança foi feita antes do acidente, e o projeto está sendo conduzido pela consultoria americana Spencer Stuart. Em setembro, a TAM contratou, com a ajuda da consultoria, um dos principais executivos da concorrente Gol -- David Barioni. Na TAM ele assumirá a vice-presidência de operações e será responsável também pela escala da tripulação e pela qualidade de vôo. De acordo com um conselheiro da companhia, Barioni é um dos candidatos a suceder Bologna, ao lado de Líbano Barroso (vice-presidente financeiro) e Wagner Ferreira (vice-presidente comercial). "Não há nenhum movimento para substituí-lo no cargo nos próximos meses", diz o conselheiro. Para reduzir o nível de cobrança a que vem sendo submetido, Bologna decidiu promover mudanças na companhia. Uma delas é a proibição de pousos nos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont com pista molhada, bem como o uso de aeronaves com reverso travado. Para aliviar a relação com os comandantes, determinou aumento de 30% na remuneração variável dos pilotos. O próximo passo será renovar o quadro de executivos. Tudo para que essa renovação não comece por outro posto -- o dele.
De onde vem a pressão
Desde o acidente com o Airbus em Congonhas, o presidente da TAM vem enfrentando a hostilidade de quatro grupos:
Acionistas e conselho
O que eles querem: Que Bologna tenha uma posição mais firme e assuma o papel de porta-voz da companhia
Membros do governo
O que eles querem: Que Bologna assuma a culpa do acidente sozinho, tirando a responsabilidade pelo caos aéreo das costas do governo
Parentes das vítimas
O que eles querem: Que o pagamento das indenizações seja feito o mais rápido possível
Pilotos e comissários da Tam
O que eles querem: Redução na jornada de trabalho, considerada exagerada e perigosa
Fonte: Por Daniella Camargos, in portalexame.abril.com.br
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