Boa parcela do interesse que move empresários e gestores a se engajar em movimentos pela ética nos negócios decorre da esperança de que, mais cedo ou mais tarde, a correção moral se tornará um diferencial para suas empresas aos olhos do consumidor. Supõem eles que os consumidores valorizam – ou passarão a valorizar em breve – o comportamento ético das companhias, boicotando produtos e serviços que, por algum motivo, firam a lei e a moral, e privilegiando aqueles que comprovadamente adotam uma postura de integridade e correção.
Trata-se de uma premissa razoável e com algum fundo de verdade. De fato, desde a década de 1960 têm aumentado as pressões da sociedade sobre o mundo corporativo. A crescente disponibilidade de informações e a elevação do nível educacional da população nas últimas décadas incrementaram a vigilância sobre as empresas, obrigando as corporações a uma transparência inédita em suas práticas.
Apesar disso, a disposição do consumidor em recompensar o comportamento ético empresarial permanece mais uma idealização do que um fato concreto. Os consumidores não são mais ou menos éticos que as empresas; a postura moral de ambos reflete a média da sociedade, e se há um longo caminho a percorrer até tornar as práticas corporativas mais adequadas, o mesmo se pode dizer sobre as atitudes dos consumidores.
Não surpreende, portanto, que no Brasil o comportamento ético das empresas não seja ainda exatamente um fator relevante a pesar sobre as decisões de compra dos consumidores. Ao comprar, as pessoas ignoram certas preocupações morais e restringem seus critérios de avaliação àqueles itens. Mesmo as grandes empresas brasileiras que desfrutam do status de eticamente responsáveis não colhem, aparentemente, maiores vantagens mercadológicas em virtude disso – no máximo, detêm uma imagem de marca mais positiva frente a seus concorrentes.
Outro exemplo cabal dessa realidade foi dado por consumidores entrevistados pela Folha de S. Paulo alguns anos atrás (04/12/05) na rua 25 de Março, na capital paulista. A 25 de Março é uma rua que reúne o comércio popular da cidade. Os preços baixos atraem consumidores de todas as classes sociais, além de micro-empresários interessados em revender os produtos por valores mais altos em outras cidades e estados. É de domínio público que nas lojas, quiosques, boxes e barraquinhas da 25 de Março, boa parte dos itens comercializados é falsificado ou fruto de contrabando.
O consumidor que freqüenta a região, obviamente, não desconhece esse dado. E o que pensa a respeito? Seguem opiniões colhidas pelo jornal:
1) “Se eu não compro, outro vai comprar”.
2) “Deixa eles (os camelôs) trabalharem. É melhor vender na calçada do que roubar”.
3) “Se é falso ou original, não me importa. O que conta mesmo é o preço”.
4) “Se fosse tudo legal e só aqui tivesse produto irregular, ainda vá lá. Mas o Brasil é isso. A 25 é o retrato do que é o país”.
5) “Aponte-me um brasileiro que não se incorpora ao esquema que ocorre hoje no país”.
6) “Quando a gente viaja e sai do país, observa quanto paga de imposto. Acho que comprar produto pirata não significa contribuir para a criminalidade. Crime é quatro assaltantes entrarem na sua casa e te prenderem lá, como ocorreu comigo há pouco tempo”.
7) “Não sou fã de pirataria, mas preço é tudo”.
Nas opiniões colhidas pela reportagem, há um bom resumo das dificuldades que enfrentam os defensores da ética empresarial na tentativa de cooptar o consumidor à defesa da causa. Pois, segundo a argumentação dos consumidores, de nada adianta andar na linha se os outros não fazem o mesmo (afirmação 1); o Brasil é um país com tantos problemas sociais que fica difícil julgar tudo ao pé-da-letra (2); todo mundo, nesse país, compactua e participa de algum ato de corrupção, portanto é demagogia condenar o comércio ilegal (4 e 5); o governo retira da sociedade mas não dá nada em troca – ou seja, sonegação não é crime, é legítima defesa (6); e consumo, no fundo, nada tem a ver com cidadania ou princípios morais, pois o que interessa é pagar menos (3 e 7). Creio que se fossem entrevistados os empresários responsáveis pelo comércio ilegal da 25 de Março, certamente as justificativas para sua atuação à margem da lei não seriam muito diferentes daquelas dadas pelos consumidores.
Ao retrato descrito pela Folha, soma-se pesquisa recém-divulgada pelo Ibope e publicada pelo Mundo do Marketing (04/09/08) que informa que aumentou, em praticamente todas as classes sociais, o contingente de consumidores que já comprou produtos piratas. Segundo a matéria, os consumidores “acreditam ainda estar ajudando os camelôs a não seguirem o caminho do roubo como sobrevivência e que os fabricantes, artistas e autores de produtos legais já seriam ‘muito ricos’, e não seriam afetados por essa prática. Não há ainda uma consciência da relevância de sua compra no alimento do crime organizado, por conta do baixo valor pago em cada mercadoria. O consumidor não se sente o principal culpado pelo problema da pirataria e rejeita campanhas que o acusam pelo problema”.
Desses fatos, extraem-se um ensinamento importante: na sociedade de consumo, o consumidor sobrepõe-se ao cidadão. E o consumidor não defende princípios éticos ou o cumprimento da lei de maneira ampla, e sim se limita a defender interesses pessoais. Se ele se sente prejudicado, ameaçado ou enganado, reclama, boicota e fala mal. Mas se os prejuízos atingem terceiros, entende que cabe a estes – ou ao sistema legal – reivindicar seus direitos e o cumprimento das leis. Somente a ameaça de danos individuais pode demovê-lo de comprar um produto “antiético”, assim como somente benefícios que realmente valoriza – entre os quais dificilmente incluem-se outros além daqueles relacionados a preço, qualidade e funcionalidade – podem levá-lo a comprar produtos de empresas socialmente responsáveis e de postura ética comprovada.
Ademais, entre a maior parte dos consumidores predomina a visão de que um ato ilícito contra o governo e contra grandes empresas não configura uma contravenção verdadeira – e sim, no máximo, uma reação justificada contra quem, muito antes, já teria cometido alguma infração ou abuso: o Estado que cobra impostos demais, é corrupto e aplica mal os recursos de que dispõe; e as empresas, que supostamente praticam preços muito altos, sonegam impostos ou exploram trabalhadores.
Ninguém se sensibiliza com reivindicações do governo ou de corporações como Sony, Nike, Gucci, Philip Morris e Ambev, ou mesmo de comerciantes que operam dentro dos parâmetros de regularidade. Todos eles, pensa o consumidor, são grandes o suficientes para se defender sozinhos. O consumidor reveste-se, nesse caso, de uma justificativa calcada na presunção de uma imoralidade recíproca, na qual, segundo ele, comete o dolo contra aqueles que vivem de cometê-lo. Trata-se da expressão do caráter amoral (no sentido de desprovido de julgamentos morais) do capitalismo, no qual a maximização dos benefícios individuais rege toda e qualquer decisão das partes envolvidas numa transação.
Por tudo isso, acredito que se associações de classe ou o Poder Público pretendem influenciar o comportamento dos brasileiros que compram produtos ilegais, não devem apelar somente ao cidadão, e sim também – ou principalmente - ao consumidor. É mais provável alguém deixar de comprar produtos falsos se uma campanha publicitária ridicularizar esse tipo de comportamento, por exemplo, do que se a propaganda argumentar que mercadorias ilegais alimentam a violência e o desemprego.
O apelo ao cidadão deve ser entendido como um processo de longo prazo, cujos frutos serão colhidos daqui a anos ou décadas. Semelhante, por exemplo, ao que ocorreu com a sensibilização da população às questões ambientais. Mas somente sua combinação com mensagens direcionadas ao consumidor será capaz de produzir resultados mais imediatos.
Fonte: Por André Cauduro D’Angelo - autor de “Precisar, não Precisa – um olhar sobre o consumo de luxo no Brasil, in www.mundodomarketing.com.br
Trata-se de uma premissa razoável e com algum fundo de verdade. De fato, desde a década de 1960 têm aumentado as pressões da sociedade sobre o mundo corporativo. A crescente disponibilidade de informações e a elevação do nível educacional da população nas últimas décadas incrementaram a vigilância sobre as empresas, obrigando as corporações a uma transparência inédita em suas práticas.
Apesar disso, a disposição do consumidor em recompensar o comportamento ético empresarial permanece mais uma idealização do que um fato concreto. Os consumidores não são mais ou menos éticos que as empresas; a postura moral de ambos reflete a média da sociedade, e se há um longo caminho a percorrer até tornar as práticas corporativas mais adequadas, o mesmo se pode dizer sobre as atitudes dos consumidores.
Não surpreende, portanto, que no Brasil o comportamento ético das empresas não seja ainda exatamente um fator relevante a pesar sobre as decisões de compra dos consumidores. Ao comprar, as pessoas ignoram certas preocupações morais e restringem seus critérios de avaliação àqueles itens. Mesmo as grandes empresas brasileiras que desfrutam do status de eticamente responsáveis não colhem, aparentemente, maiores vantagens mercadológicas em virtude disso – no máximo, detêm uma imagem de marca mais positiva frente a seus concorrentes.
Outro exemplo cabal dessa realidade foi dado por consumidores entrevistados pela Folha de S. Paulo alguns anos atrás (04/12/05) na rua 25 de Março, na capital paulista. A 25 de Março é uma rua que reúne o comércio popular da cidade. Os preços baixos atraem consumidores de todas as classes sociais, além de micro-empresários interessados em revender os produtos por valores mais altos em outras cidades e estados. É de domínio público que nas lojas, quiosques, boxes e barraquinhas da 25 de Março, boa parte dos itens comercializados é falsificado ou fruto de contrabando.
O consumidor que freqüenta a região, obviamente, não desconhece esse dado. E o que pensa a respeito? Seguem opiniões colhidas pelo jornal:
1) “Se eu não compro, outro vai comprar”.
2) “Deixa eles (os camelôs) trabalharem. É melhor vender na calçada do que roubar”.
3) “Se é falso ou original, não me importa. O que conta mesmo é o preço”.
4) “Se fosse tudo legal e só aqui tivesse produto irregular, ainda vá lá. Mas o Brasil é isso. A 25 é o retrato do que é o país”.
5) “Aponte-me um brasileiro que não se incorpora ao esquema que ocorre hoje no país”.
6) “Quando a gente viaja e sai do país, observa quanto paga de imposto. Acho que comprar produto pirata não significa contribuir para a criminalidade. Crime é quatro assaltantes entrarem na sua casa e te prenderem lá, como ocorreu comigo há pouco tempo”.
7) “Não sou fã de pirataria, mas preço é tudo”.
Nas opiniões colhidas pela reportagem, há um bom resumo das dificuldades que enfrentam os defensores da ética empresarial na tentativa de cooptar o consumidor à defesa da causa. Pois, segundo a argumentação dos consumidores, de nada adianta andar na linha se os outros não fazem o mesmo (afirmação 1); o Brasil é um país com tantos problemas sociais que fica difícil julgar tudo ao pé-da-letra (2); todo mundo, nesse país, compactua e participa de algum ato de corrupção, portanto é demagogia condenar o comércio ilegal (4 e 5); o governo retira da sociedade mas não dá nada em troca – ou seja, sonegação não é crime, é legítima defesa (6); e consumo, no fundo, nada tem a ver com cidadania ou princípios morais, pois o que interessa é pagar menos (3 e 7). Creio que se fossem entrevistados os empresários responsáveis pelo comércio ilegal da 25 de Março, certamente as justificativas para sua atuação à margem da lei não seriam muito diferentes daquelas dadas pelos consumidores.
Ao retrato descrito pela Folha, soma-se pesquisa recém-divulgada pelo Ibope e publicada pelo Mundo do Marketing (04/09/08) que informa que aumentou, em praticamente todas as classes sociais, o contingente de consumidores que já comprou produtos piratas. Segundo a matéria, os consumidores “acreditam ainda estar ajudando os camelôs a não seguirem o caminho do roubo como sobrevivência e que os fabricantes, artistas e autores de produtos legais já seriam ‘muito ricos’, e não seriam afetados por essa prática. Não há ainda uma consciência da relevância de sua compra no alimento do crime organizado, por conta do baixo valor pago em cada mercadoria. O consumidor não se sente o principal culpado pelo problema da pirataria e rejeita campanhas que o acusam pelo problema”.
Desses fatos, extraem-se um ensinamento importante: na sociedade de consumo, o consumidor sobrepõe-se ao cidadão. E o consumidor não defende princípios éticos ou o cumprimento da lei de maneira ampla, e sim se limita a defender interesses pessoais. Se ele se sente prejudicado, ameaçado ou enganado, reclama, boicota e fala mal. Mas se os prejuízos atingem terceiros, entende que cabe a estes – ou ao sistema legal – reivindicar seus direitos e o cumprimento das leis. Somente a ameaça de danos individuais pode demovê-lo de comprar um produto “antiético”, assim como somente benefícios que realmente valoriza – entre os quais dificilmente incluem-se outros além daqueles relacionados a preço, qualidade e funcionalidade – podem levá-lo a comprar produtos de empresas socialmente responsáveis e de postura ética comprovada.
Ademais, entre a maior parte dos consumidores predomina a visão de que um ato ilícito contra o governo e contra grandes empresas não configura uma contravenção verdadeira – e sim, no máximo, uma reação justificada contra quem, muito antes, já teria cometido alguma infração ou abuso: o Estado que cobra impostos demais, é corrupto e aplica mal os recursos de que dispõe; e as empresas, que supostamente praticam preços muito altos, sonegam impostos ou exploram trabalhadores.
Ninguém se sensibiliza com reivindicações do governo ou de corporações como Sony, Nike, Gucci, Philip Morris e Ambev, ou mesmo de comerciantes que operam dentro dos parâmetros de regularidade. Todos eles, pensa o consumidor, são grandes o suficientes para se defender sozinhos. O consumidor reveste-se, nesse caso, de uma justificativa calcada na presunção de uma imoralidade recíproca, na qual, segundo ele, comete o dolo contra aqueles que vivem de cometê-lo. Trata-se da expressão do caráter amoral (no sentido de desprovido de julgamentos morais) do capitalismo, no qual a maximização dos benefícios individuais rege toda e qualquer decisão das partes envolvidas numa transação.
Por tudo isso, acredito que se associações de classe ou o Poder Público pretendem influenciar o comportamento dos brasileiros que compram produtos ilegais, não devem apelar somente ao cidadão, e sim também – ou principalmente - ao consumidor. É mais provável alguém deixar de comprar produtos falsos se uma campanha publicitária ridicularizar esse tipo de comportamento, por exemplo, do que se a propaganda argumentar que mercadorias ilegais alimentam a violência e o desemprego.
O apelo ao cidadão deve ser entendido como um processo de longo prazo, cujos frutos serão colhidos daqui a anos ou décadas. Semelhante, por exemplo, ao que ocorreu com a sensibilização da população às questões ambientais. Mas somente sua combinação com mensagens direcionadas ao consumidor será capaz de produzir resultados mais imediatos.
Fonte: Por André Cauduro D’Angelo - autor de “Precisar, não Precisa – um olhar sobre o consumo de luxo no Brasil, in www.mundodomarketing.com.br
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