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O mito da rejeição a patrocinadores

Um dos conceitos mais arraigados entre marqueteiros de grandes empresas é a idéia de que o patrocínio de um determinado clube gera rejeição à marca por parte dos torcedores rivais. Eu mesmo já escutei este argumento algumas vezes como uma verdade lógica e inquestionável: “Nossa empresa tem a política de não associar suas marcas a clubes individuais em decorrência do problema da rejeição”. Para evitar constrangimentos, nunca questionei os fundamentos para esse tipo de afirmação.

Na semana passada foi publicada na IstoÉ Dinheiro uma pesquisa sobre como o futebol ajuda a construir e a fortalecer as marcas de grandes empresas. Dentre os itens avaliados, um deles tratava justamente da rejeição. Quando perguntados “Você deixaria de comprar um produto por ele patrocinar um clube rival?”, 95,5% dos entrevistados responderam que não. A discrepância é tão grande em relação ao senso comum predominante no mercado que no mínimo vale a pena parar para refletir.

Fica claro que esse é mais um paradigma do marketing esportivo que merece uma discussão mais profunda. Ele é baseado na premissa (errada) de que todo torcedor se comporta da mesma forma como consumidor. Afirmar que todo torcedor santista ao comprar uma TV descarta a LG e privilegia a Semp Toshiba, sem levar mais nada em consideração, é superficial demais.

Para mim, a questão da rejeição é função de três fatores: a característica do produto, a estrutura do patrocínio e o tipo de torcedor. Produtos comoditizados, com processos de decisão de compra mais simples, podem estar mais propensos à rejeição, enquanto produtos cujo processo de decisão de compra é mais complexo dificilmente sofrerão rejeição desse tipo. Quanto à estrutura do patrocínio, existem estratégias mais arriscadas, como quando a marca do clube é trazida para a embalagem do produto.

Em relação ao comportamento do consumidor, a meu ver é possível classificar torcedores em quatro tipos:

Simpatizante: é aquele cujo interesse no clube é limitado a um prazo ou evento. Essa limitação pode ser o tempo em que um grande ídolo está jogando no clube ou enquanto o clube estiver disputando uma competição importante. Esse prazo pode ser de uma semana até alguns anos, mas, uma vez expirado, o interesse acaba; ele vai continuar dizendo que torce pelo clube, mas não é algo que tenha qualquer impacto no seu dia-a-dia.

Torcedor devoto: diferentemente do simpatizante, não está limitado a barreiras de tempo ou espaço. A partir desse nível, o ato de torcer por um determinado clube passa a ser importante no seu processo de autodefinição. Peça a ele para se apresentar e ele vai dizer seu nome, profissão, idade e para que time torce. Ele acompanha os jogos do seu clube com freqüência e tem pelo menos um produto licenciado em casa. É a partir desse nível que não se muda mais de time para o resto da vida, ganhando ou perdendo.

Torcedor fanático: similar ao torcedor devoto, o que muda aqui é a intensidade da ligação com o clube, que é mais próxima do seu núcleo de identidade. Em outras palavras, ele usa o vínculo com o clube como uma parte fundamental da sua identidade, mas existe ainda pelo menos outro aspecto da sua vida (família, trabalho, religião) que é mais forte do que o fato de ser torcedor. Esse cara diz: “nós ganhamos” ou “nós perdemos”, acompanha todos os jogos, usa a camisa do time em situações sociais, mas não vai deixar de namorar alguém porque torce pelo time rival e, se for preciso, pode deixar de assistir a um jogo por causa de uma viagem ou um compromisso profissional no mesmo horário.

Torcedor disfuncional: é aquele que usa a ligação com o clube do coração como o principal fator de auto-identificação. Para ele, os resultados não apenas importam, mas são vitais para a sua própria existência. Ele se sente pessoalmente ofendido quando falam mal do seu clube e está pronto para usar violência sob o pretexto de que tudo se justifica pelo fato de torcer pelo seu clube. Se for preciso, ele vai abrir mão de amizades, de um emprego e até do casamento em nome do clube.

Minha hipótese é que o fenômeno da rejeição, quando aparece, só aparece no nível do torcedor disfuncional. Isso porque é só nesse nível que o vínculo com o clube é prioritário sobre todos os demais aspectos da vida. Ele pode, sim, abrir mão de uma escolha de consumo melhor e mais racional se achar que isso fere a sua identidade como torcedor. Mas, mesmo nesse caso, eu acredito que a rejeição ainda vai depender do tipo de produto e da estrutura do patrocínio.

Não conheço pesquisas que quantifiquem os tipos de torcedores no Brasil, mas é seguro afirmar que o torcedor disfuncional é minoria no mercado. Por isso, a pesquisa publicada pela IstoÉ Dinheiro faz todo sentido. E a quebra de mais esse paradigma é fundamental para o desenvolvimento do marketing esportivo no Brasil.


Fonte: Por Leonardo Araujo - Dirigente do A.C. Milan, in www.meioemensagem.com.br

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