Nesta entrevista, Francisco Viana, conta como e porque foi escrito o livro “A Surdez das Empresas: como ouvir a sociedade e evitar crises”, que reúne o case inédito da recuperação da Bombril, por seu ex-presidente José Bacellar, e artigos de Leonardo Mancini e Mateus Furlanetto.
Em que contexto o livro, foi escrito?
A idéia é chamar a atenção para os novos paradigmas dos tempos modernos. No passado, as empresas funcionavam como corpos isolados da sociedade. Havia pouca concorrência. O cidadão era pouco informado. Se voltarmos no tempo e observarmos a transição da economia feudal para a pré-capitalista, iremos constatar que o indivíduo passa existir e, com ele, os primeiros movimentos em defesa da coerência entre palavra e ação, as primeiras reivindicações legais, o direito como valor republicano. Hoje, tudo isso foi ampliado em dimensões globais, grandes multidões estão sendo incorporadas ao processo de cidadania. A comunicação tornou-se o grande fenômeno da sociedade. Mudou a linguagem, evoluiu o conceito de cidadania. As empresas têm que participar da vida social. É o que chamo de interdependência. O problema é que as empresas não estão acostumadas a prestar contas, a dialogar, a entender que nem tudo pode ser tratado como mercadoria. No caso brasileiro, houve avanços institucionais e jurídicos. A lei passou a valer. O cidadão é muito bem informado. Há abundância de oferta. E muitas empresas não perceberam as mudanças. Continuam atreladas a modelos de negócios antigos. A maioria dos problemas surge porque os executivos e os funcionários não sabem lidar com as exigências do mundo atual, um mundo muito reivindicativo. É uma questão de percepção da realidade. Além disso, a base ética precisa ser renovada. Ao longo dos últimos 20 anos desenvolveu-se toda uma cultura empresarial imediatista. Não há lealdade. Na hora em que você contrata um serviço, por exemplo, tudo é uma maravilha. Na hora em que você precisar efetivamente de um apoio, da solução de um problema, é que a realidade se impõe. Tudo é difícil. Ninguém ouve o cidadão. Tudo isso está gerando uma falência dos modelos de negócios, que se traduz nas recorrentes crises das organizações que vemos estampadas nas páginas dos jornais. O objetivo do livro é exatamente esse: dizer às empresas que ouçam o que exige a sociedade. Quando se imaginaria que os Estados Unidos iriam, em algum momento, pensar em estatizar bancos como está acontecendo agora? E tudo porque os grandes financistas não perceberam que a sociedade mudou e que não há como brincar com a realidade, com os fatos. Fatos são teimosos. É preciso ouvi-los. A cultura da surdez está fora do lugar. Precisa acabar.
E onde a comunicação entra neste contexto?
Ela é fundamental. É a argamassa da cultura dos negócios e da relação das empresas com a sociedade. Mas essa linguagem não se caracteriza pela fala, como muitos acreditam, e, sim, pela ação. O que se diz não tem qualquer importância. Importante é o que se faz. Voltando à reflexão histórica, na época da transição do feudo para a cidade. Quando ainda vivíamos numa sociedade sem liberdade, era o contrário. O que dizíamos era muito mais importando do que o que fazíamos. Porque o discurso influenciava as pessoas a romperem com o pensamento monolítico. A linguagem era a novidade naquele momento. A sociedade estava passando de um ciclo em que a vida e o tempo eram dedicados a Deus para serem dedicados à política, às artes, à produção, à literatura. As pessoas eram julgadas mais pelo que diziam do que pelo faziam. Tanto que um dos grandes impasses dessa época era liberdade de expressão. Hoje vivemos sob o império da liberdade de expressão. O desafio é a ação concreta. Tal transformação se deve, sobretudo, a emergência da sociedade tecnológica. Os meios de comunicação propiciaram fenômenos de dimensões inimagináveis. Por exemplo, a questão da imagem das organizações que contribui para concentrar riquezas na mão de poucos ou de muitos. Só que hoje a sociedade já questiona os meios de geração de riqueza. À custa de quem? De que? Aí se entra no pantanoso terreno jurídico sobre responsabilidades, direitos e deveres das empresas. Começam os embates na justiça, cujos parâmetros nem sempre estão em sintonia com o tribunal da opinião pública. Ou seja, a empresa pode até ganhar na justiça, no que diz respeito a garantir direitos. Mas perde sentido no que diz respeito a responsabilidades e, especialmente, em credibilidade. Na verdade, esta discussão já estava posta nos idos do renascimento. A revolução das comunicações, movida pelas novas tecnologias, e a evolução da idéia de democracia é que amplificaram sua dimensão. Não há mais como separar comunicação da política. São partes de um mesmo fenômeno contemporâneo.
Como, então, as empresas devem agir diante destes impasses e de situações de crises?
Elas precisam, antes de tudo, evitar que as crises aconteçam. Essa história de que crise é oportunidade deve ser vista como algo do passado. Crises custam caro. São destrutivas. É preciso se antecipar aos problemas. É como uma doença grave. Precisa ser detectada na origem. Hoje, exames de DNA já permitem se antecipar à manifestação da doença. Isso também é possível em se tratando de crises de comunicação. Porque por trás de toda crise de administração há geralmente uma crise de gestão. O fato é que temos que mudar o modelo inteiro de negócios que não se adapta ao mundo contemporâneo. A cultura negocial das empresas precisa mudar. Todas têm visão, missão, estratégia, mas, na prática, o que deve existir é sentido entre discurso e a ação. Isso exige uma revisão por parte das empresas. A linguagem institucional precisa coincidir com a realidade. O que existe, na verdade, é uma exigência de mudança em termos de organização da sociedade. Mas muitas empresas não conseguiram se reorganizar para enfrentar essa situação. O velho marketing, a velha publicidade perderam espaço. Não basta se ter uma bela idéia para fazer marketing ou publicidade. É imperativo existir sintonia com a identidade da empresa.
A Comunicação Integrada não tem sido uma tentativa para enfrentar essa nova realidade?
É quase um lugar comum pensar que integrar a comunicação é colocar o marketing, a assessoria de comunicação e a publicidade sobre um controle único, um mesmo guarda-chuva como se diz no jargão. Não é apenas isso. Isso é o mais fácil. O que é difícil é colocar a comunicação, o marketing, a publicidade, sob uma mesma perspectiva filosófica. Integrá-los à gestão. Ou seja, quando o marketing diz que eu sou uma empresa ecologicamente responsável, a comunicação diz que é ecologicamente responsável a prática negocial precisa ser essa. A publicidade e o marketing precisam reencontrar o rumo. Falamos em alinhamento entre a empresa e a comunicação, mas o que se vê é a comunicação centrada na idealização das coisas. E não na vida prática. No relacionamento prático com o cidadão, com a sociedade. São dois canais de comunicação que não se encontram. Insisto, comunicação não é uma coisa desprovida da raiz social. Não se separa a filosofia da linguagem. A filosofia é a linguagem. A mudança da Idade Média para o Renascimento está na linguagem. Hoje o conceito de público é muito questionável. Todos são públicos das mesmas mensagens. Todos têm acesso as mesmas informações. A Internet democratizou a informação. É diferente do passado. Quem comprar uma casa sabe tudo sobre a construtora. O mesmo acontece com quem contrata um serviço ou compra um produto. Se algo dá errado no sentido de existir um engodo, da falsa propaganda, o julgamento é sumário. No Tribunal da Opinião não cabe recurso. Estamos vivendo uma revolução da cidadania e a comunicação não pode ignorá-la. Uma nova comunicação está nascendo. É a comunicação ditada pela mobilização e conhecimento das multidões. Não é anticapitalista. É modernizadora. Quer que o capitalismo se renove, que tenha valores efetivos.
Poderia explicar melhor a natureza dessa revolução?
Vivemos numa grande era da incerteza. Quase não existe mais nada absoluto, padrão. Antigamente se falava com certeza: ‘Não coma carboidratos que você emagrece’. Hoje existem múltiplas teorias sobre o uso dos carboidratos para emagrecer. Aí é que a gente entra numa coisa mais complicada é o conceito de revolução. Não no sentido político. No sentido de transformações que criem novos paradigmas. Toda revolução é feita em cima de teorias. Uma coisa é pensar a revolução, outra é fazer a revolução. Os atores da revolução não seguem manuais. O filósofo, o ideólogo, pensa. Mas entre o se que planeja e o caminho que vai tomar existe uma distância enorme. E nesse caminho as pessoas se comportam de modo muito diferente. As escolas de administração precisam formar pessoas preparadas para entender os impactos dessas novidades. A comunicação não mais pode ser entendida apenas sob a ótica do marketing ou da publicidade. Ela precisa ser entendida sob a ótica da gestão. É esse o desafio da revolução em marcha: integrar comunicação e gestão. Criar um novo processo educacional. O comunicador tende a ser parte ativa nessa mudança.
Mateus Furlanetto, RP, também tem contribuições no livro. Qual o papel da gestão de Relações Públicas na gestão de crises?
O trabalho de Mateus é precioso. Traz uma excelente contribuição por ter uma visão acadêmica ligada à prática. Criou-se uma falsa percepção do RP por causa dos idos da ditadura. Os militares precisavam criar uma base de apoio nas classes médias e usaram esse tipo de recursos. Em outras palavras, fizeram política com fatos desidratados. Mais propaganda ideológica, mais manipulação, mais mistificação do que qualquer outra coisa. É um comportamento típico dos regimes autoritários. Isto desgastou a profissão de RP porque, quando o regime se eclipsou, esse tipo de trabalho ficou associado à profissão. Nada mais errado. Nada mais falso. A RP tem um papel importantíssimo na comunicação. Ivy Lee, o pai da RP e da Comunicação, era relações públicas. Quando o filho de Rockfeller quis que ele comprasse jornalistas, Ivy foi claro: não iria comprar ninguém, mas sim divulgar notícias, fatos. No livro essa história é contada em detalhes. O texto de Mateus resgata as boas práticas de RP. Demonstra como a RP pode, e deve, ser integrada a um trabalho de comunicação. Pode, inclusive, liderar o trabalho. A questão sempre é: o que é melhor para a empresa? O que vai trazer resultados mais práticos? Mais duradouros? O texto de Mateus é ilustrativo do novo momento das Relações Públicas. Mostra que comunicação é mestiçagem. Soma de competências.
Como foi sua experiência com José Bacellar? Porque ele foi convidado para escrever o case Bombril?
Bacellar foi presidente da Bombril no período da administração judicial. Assumiu em outubro de 2004, permaneceu no cargo até o início de 2006. É um executivo que valoriza mídia. Aliás, é um excelente comunicador. Fui assessor pessoal dele na Bombril Conversávamos muito. Tudo era planejado no mínimo detalhes. Houve, no inicio, muita oposição do Jornal Valor à administração judicial. A tese era legítima: a Bombril deveria ser administrada pelo seu dono, Ronaldo Sampaio Ferreira. Mas o noticiário era sempre desfavorável a nós. Conversamos. Bacellar procurou a chefia da redação. Foi muito bem recebido. Deu entrevistas. Apresentou fatos. Assim, ganhamos espaço. O Valor manteve a linha crítica, mas passamos a ser tratados com equidade. Lembro que certa vez deram uma matéria imensa. Creio, duas páginas, mas ocupamos o mesmo espaço - ou mais - que o dono da Bombril. Como se tratava de um case inédito, convidei Bacellar para escrevê-lo. E ele o fez como disciplina de escritor. Muitas vezes, o executivo faz boas coisas, mas não registra. E os acontecimentos se perdem no tempo. A ação é sempre perecível. A memória escrita ou em imagens é a única forma de preservar a ação. O case Bombril merece ser discutido nas escolas de administração. Geralmente, só se ensina cases com histórias de Harvard e das universidades americanas. É o momento de nos voltarmos para nossas experiências. Ver o que estamos fazendo de bom. Aliás, o que não faltam são empresas fazendo coisas boas na comunicação. Procurando acertar, se estruturando. Tentando entender o que está acontecendo no Brasil e no mundo. Foi por isso que convidei Bacellar. O case Bombril é esférico: contem todos os elementos de um autêntico case de Comunicação. Poderia ser filmado para ser exibido em salas de aula.
Qual foi a contribuição do professor Leonardo Mancini?
Mancini é um jovem comunicador que estudou na França e ensina na ESPM-RJ. Estudou comunicação e globalização. Fomos apresentados pelo professor Carlos Messeder, também da ESPM, um dos prefaciadores do livro ao lado de Paulo Nassar. Logo senti que ele tinha conteúdo. A comunicação em âmbito das empresas multinacionais é um problema sério. Geralmente, há muita burocracia, muita insensibilidade. Pensa-se o mundo de forma funcionalista. É como se a comunicação fosse uma equação matemática. O que acontece no Brasil, imagina-se, é o mesmo que acontece na França e na América. Raciocina-se, geralmente, por padrões. Acredita-se que comunicação é processo. Como se faz com a venda de um prego ou de um motor. Como uma operação bancária. Esquece-se que comunicação é criatividade, é cultura, é movimento. É também política porque diz respeito à forma com que as pessoas se relacionam. É feita de gestos, palavra, atitudes. Cada lugar é um lugar. Leonardo é sensível tais peculiaridades. O trabalho dele vai contribuir para um melhor entendimento desse fenômeno tão contemporâneo. No fundo, procurei fazer um livro mestiço. Com profissionais de diferentes visões. Se há um ponto em comum é que comunicação e administração caminham juntos. Bom administrador precisa ser um bom comunicador. Não pode existir comunicação de qualidade se não houver o que comunicar. Comunicação não é ficção. É fato. Não é fantasia ou utopia. É realidade.
Qual a sua opinião sobre o comunicador brasileiro?
O comunicador brasileiro é de padrão mundial. Tenho participado de alguns cursos da ABERJE com professores americanos. Em todos fica patente o alto nível do pessoal que hoje trabalhar nas empresas e na área pública. O drama é que os comunicadores precisam ser mais ouvidos. As empresas precisam transitar da época da publicidade e do marketing para a era da comunicação, integrando todos os saberes, a começar pelo saber da administração. O mundo moderno exige essa transição. Exige que esse novo salto aconteça e se consolide. É o que os autores de A Surdez das empresas procuram ressaltar. Nossa visão é crítica, mas a perspectiva é otimista. Como dizia o velho Gramsci: cético na avaliação, otimista na ação. É o que precisamos, crítica e ação. Palavras e ação. Comunicação é isso: pensamento e ação.
Fonte: Por Ricardo Lauricella, in www.aberje.com.br
Em que contexto o livro, foi escrito?
A idéia é chamar a atenção para os novos paradigmas dos tempos modernos. No passado, as empresas funcionavam como corpos isolados da sociedade. Havia pouca concorrência. O cidadão era pouco informado. Se voltarmos no tempo e observarmos a transição da economia feudal para a pré-capitalista, iremos constatar que o indivíduo passa existir e, com ele, os primeiros movimentos em defesa da coerência entre palavra e ação, as primeiras reivindicações legais, o direito como valor republicano. Hoje, tudo isso foi ampliado em dimensões globais, grandes multidões estão sendo incorporadas ao processo de cidadania. A comunicação tornou-se o grande fenômeno da sociedade. Mudou a linguagem, evoluiu o conceito de cidadania. As empresas têm que participar da vida social. É o que chamo de interdependência. O problema é que as empresas não estão acostumadas a prestar contas, a dialogar, a entender que nem tudo pode ser tratado como mercadoria. No caso brasileiro, houve avanços institucionais e jurídicos. A lei passou a valer. O cidadão é muito bem informado. Há abundância de oferta. E muitas empresas não perceberam as mudanças. Continuam atreladas a modelos de negócios antigos. A maioria dos problemas surge porque os executivos e os funcionários não sabem lidar com as exigências do mundo atual, um mundo muito reivindicativo. É uma questão de percepção da realidade. Além disso, a base ética precisa ser renovada. Ao longo dos últimos 20 anos desenvolveu-se toda uma cultura empresarial imediatista. Não há lealdade. Na hora em que você contrata um serviço, por exemplo, tudo é uma maravilha. Na hora em que você precisar efetivamente de um apoio, da solução de um problema, é que a realidade se impõe. Tudo é difícil. Ninguém ouve o cidadão. Tudo isso está gerando uma falência dos modelos de negócios, que se traduz nas recorrentes crises das organizações que vemos estampadas nas páginas dos jornais. O objetivo do livro é exatamente esse: dizer às empresas que ouçam o que exige a sociedade. Quando se imaginaria que os Estados Unidos iriam, em algum momento, pensar em estatizar bancos como está acontecendo agora? E tudo porque os grandes financistas não perceberam que a sociedade mudou e que não há como brincar com a realidade, com os fatos. Fatos são teimosos. É preciso ouvi-los. A cultura da surdez está fora do lugar. Precisa acabar.
E onde a comunicação entra neste contexto?
Ela é fundamental. É a argamassa da cultura dos negócios e da relação das empresas com a sociedade. Mas essa linguagem não se caracteriza pela fala, como muitos acreditam, e, sim, pela ação. O que se diz não tem qualquer importância. Importante é o que se faz. Voltando à reflexão histórica, na época da transição do feudo para a cidade. Quando ainda vivíamos numa sociedade sem liberdade, era o contrário. O que dizíamos era muito mais importando do que o que fazíamos. Porque o discurso influenciava as pessoas a romperem com o pensamento monolítico. A linguagem era a novidade naquele momento. A sociedade estava passando de um ciclo em que a vida e o tempo eram dedicados a Deus para serem dedicados à política, às artes, à produção, à literatura. As pessoas eram julgadas mais pelo que diziam do que pelo faziam. Tanto que um dos grandes impasses dessa época era liberdade de expressão. Hoje vivemos sob o império da liberdade de expressão. O desafio é a ação concreta. Tal transformação se deve, sobretudo, a emergência da sociedade tecnológica. Os meios de comunicação propiciaram fenômenos de dimensões inimagináveis. Por exemplo, a questão da imagem das organizações que contribui para concentrar riquezas na mão de poucos ou de muitos. Só que hoje a sociedade já questiona os meios de geração de riqueza. À custa de quem? De que? Aí se entra no pantanoso terreno jurídico sobre responsabilidades, direitos e deveres das empresas. Começam os embates na justiça, cujos parâmetros nem sempre estão em sintonia com o tribunal da opinião pública. Ou seja, a empresa pode até ganhar na justiça, no que diz respeito a garantir direitos. Mas perde sentido no que diz respeito a responsabilidades e, especialmente, em credibilidade. Na verdade, esta discussão já estava posta nos idos do renascimento. A revolução das comunicações, movida pelas novas tecnologias, e a evolução da idéia de democracia é que amplificaram sua dimensão. Não há mais como separar comunicação da política. São partes de um mesmo fenômeno contemporâneo.
Como, então, as empresas devem agir diante destes impasses e de situações de crises?
Elas precisam, antes de tudo, evitar que as crises aconteçam. Essa história de que crise é oportunidade deve ser vista como algo do passado. Crises custam caro. São destrutivas. É preciso se antecipar aos problemas. É como uma doença grave. Precisa ser detectada na origem. Hoje, exames de DNA já permitem se antecipar à manifestação da doença. Isso também é possível em se tratando de crises de comunicação. Porque por trás de toda crise de administração há geralmente uma crise de gestão. O fato é que temos que mudar o modelo inteiro de negócios que não se adapta ao mundo contemporâneo. A cultura negocial das empresas precisa mudar. Todas têm visão, missão, estratégia, mas, na prática, o que deve existir é sentido entre discurso e a ação. Isso exige uma revisão por parte das empresas. A linguagem institucional precisa coincidir com a realidade. O que existe, na verdade, é uma exigência de mudança em termos de organização da sociedade. Mas muitas empresas não conseguiram se reorganizar para enfrentar essa situação. O velho marketing, a velha publicidade perderam espaço. Não basta se ter uma bela idéia para fazer marketing ou publicidade. É imperativo existir sintonia com a identidade da empresa.
A Comunicação Integrada não tem sido uma tentativa para enfrentar essa nova realidade?
É quase um lugar comum pensar que integrar a comunicação é colocar o marketing, a assessoria de comunicação e a publicidade sobre um controle único, um mesmo guarda-chuva como se diz no jargão. Não é apenas isso. Isso é o mais fácil. O que é difícil é colocar a comunicação, o marketing, a publicidade, sob uma mesma perspectiva filosófica. Integrá-los à gestão. Ou seja, quando o marketing diz que eu sou uma empresa ecologicamente responsável, a comunicação diz que é ecologicamente responsável a prática negocial precisa ser essa. A publicidade e o marketing precisam reencontrar o rumo. Falamos em alinhamento entre a empresa e a comunicação, mas o que se vê é a comunicação centrada na idealização das coisas. E não na vida prática. No relacionamento prático com o cidadão, com a sociedade. São dois canais de comunicação que não se encontram. Insisto, comunicação não é uma coisa desprovida da raiz social. Não se separa a filosofia da linguagem. A filosofia é a linguagem. A mudança da Idade Média para o Renascimento está na linguagem. Hoje o conceito de público é muito questionável. Todos são públicos das mesmas mensagens. Todos têm acesso as mesmas informações. A Internet democratizou a informação. É diferente do passado. Quem comprar uma casa sabe tudo sobre a construtora. O mesmo acontece com quem contrata um serviço ou compra um produto. Se algo dá errado no sentido de existir um engodo, da falsa propaganda, o julgamento é sumário. No Tribunal da Opinião não cabe recurso. Estamos vivendo uma revolução da cidadania e a comunicação não pode ignorá-la. Uma nova comunicação está nascendo. É a comunicação ditada pela mobilização e conhecimento das multidões. Não é anticapitalista. É modernizadora. Quer que o capitalismo se renove, que tenha valores efetivos.
Poderia explicar melhor a natureza dessa revolução?
Vivemos numa grande era da incerteza. Quase não existe mais nada absoluto, padrão. Antigamente se falava com certeza: ‘Não coma carboidratos que você emagrece’. Hoje existem múltiplas teorias sobre o uso dos carboidratos para emagrecer. Aí é que a gente entra numa coisa mais complicada é o conceito de revolução. Não no sentido político. No sentido de transformações que criem novos paradigmas. Toda revolução é feita em cima de teorias. Uma coisa é pensar a revolução, outra é fazer a revolução. Os atores da revolução não seguem manuais. O filósofo, o ideólogo, pensa. Mas entre o se que planeja e o caminho que vai tomar existe uma distância enorme. E nesse caminho as pessoas se comportam de modo muito diferente. As escolas de administração precisam formar pessoas preparadas para entender os impactos dessas novidades. A comunicação não mais pode ser entendida apenas sob a ótica do marketing ou da publicidade. Ela precisa ser entendida sob a ótica da gestão. É esse o desafio da revolução em marcha: integrar comunicação e gestão. Criar um novo processo educacional. O comunicador tende a ser parte ativa nessa mudança.
Mateus Furlanetto, RP, também tem contribuições no livro. Qual o papel da gestão de Relações Públicas na gestão de crises?
O trabalho de Mateus é precioso. Traz uma excelente contribuição por ter uma visão acadêmica ligada à prática. Criou-se uma falsa percepção do RP por causa dos idos da ditadura. Os militares precisavam criar uma base de apoio nas classes médias e usaram esse tipo de recursos. Em outras palavras, fizeram política com fatos desidratados. Mais propaganda ideológica, mais manipulação, mais mistificação do que qualquer outra coisa. É um comportamento típico dos regimes autoritários. Isto desgastou a profissão de RP porque, quando o regime se eclipsou, esse tipo de trabalho ficou associado à profissão. Nada mais errado. Nada mais falso. A RP tem um papel importantíssimo na comunicação. Ivy Lee, o pai da RP e da Comunicação, era relações públicas. Quando o filho de Rockfeller quis que ele comprasse jornalistas, Ivy foi claro: não iria comprar ninguém, mas sim divulgar notícias, fatos. No livro essa história é contada em detalhes. O texto de Mateus resgata as boas práticas de RP. Demonstra como a RP pode, e deve, ser integrada a um trabalho de comunicação. Pode, inclusive, liderar o trabalho. A questão sempre é: o que é melhor para a empresa? O que vai trazer resultados mais práticos? Mais duradouros? O texto de Mateus é ilustrativo do novo momento das Relações Públicas. Mostra que comunicação é mestiçagem. Soma de competências.
Como foi sua experiência com José Bacellar? Porque ele foi convidado para escrever o case Bombril?
Bacellar foi presidente da Bombril no período da administração judicial. Assumiu em outubro de 2004, permaneceu no cargo até o início de 2006. É um executivo que valoriza mídia. Aliás, é um excelente comunicador. Fui assessor pessoal dele na Bombril Conversávamos muito. Tudo era planejado no mínimo detalhes. Houve, no inicio, muita oposição do Jornal Valor à administração judicial. A tese era legítima: a Bombril deveria ser administrada pelo seu dono, Ronaldo Sampaio Ferreira. Mas o noticiário era sempre desfavorável a nós. Conversamos. Bacellar procurou a chefia da redação. Foi muito bem recebido. Deu entrevistas. Apresentou fatos. Assim, ganhamos espaço. O Valor manteve a linha crítica, mas passamos a ser tratados com equidade. Lembro que certa vez deram uma matéria imensa. Creio, duas páginas, mas ocupamos o mesmo espaço - ou mais - que o dono da Bombril. Como se tratava de um case inédito, convidei Bacellar para escrevê-lo. E ele o fez como disciplina de escritor. Muitas vezes, o executivo faz boas coisas, mas não registra. E os acontecimentos se perdem no tempo. A ação é sempre perecível. A memória escrita ou em imagens é a única forma de preservar a ação. O case Bombril merece ser discutido nas escolas de administração. Geralmente, só se ensina cases com histórias de Harvard e das universidades americanas. É o momento de nos voltarmos para nossas experiências. Ver o que estamos fazendo de bom. Aliás, o que não faltam são empresas fazendo coisas boas na comunicação. Procurando acertar, se estruturando. Tentando entender o que está acontecendo no Brasil e no mundo. Foi por isso que convidei Bacellar. O case Bombril é esférico: contem todos os elementos de um autêntico case de Comunicação. Poderia ser filmado para ser exibido em salas de aula.
Qual foi a contribuição do professor Leonardo Mancini?
Mancini é um jovem comunicador que estudou na França e ensina na ESPM-RJ. Estudou comunicação e globalização. Fomos apresentados pelo professor Carlos Messeder, também da ESPM, um dos prefaciadores do livro ao lado de Paulo Nassar. Logo senti que ele tinha conteúdo. A comunicação em âmbito das empresas multinacionais é um problema sério. Geralmente, há muita burocracia, muita insensibilidade. Pensa-se o mundo de forma funcionalista. É como se a comunicação fosse uma equação matemática. O que acontece no Brasil, imagina-se, é o mesmo que acontece na França e na América. Raciocina-se, geralmente, por padrões. Acredita-se que comunicação é processo. Como se faz com a venda de um prego ou de um motor. Como uma operação bancária. Esquece-se que comunicação é criatividade, é cultura, é movimento. É também política porque diz respeito à forma com que as pessoas se relacionam. É feita de gestos, palavra, atitudes. Cada lugar é um lugar. Leonardo é sensível tais peculiaridades. O trabalho dele vai contribuir para um melhor entendimento desse fenômeno tão contemporâneo. No fundo, procurei fazer um livro mestiço. Com profissionais de diferentes visões. Se há um ponto em comum é que comunicação e administração caminham juntos. Bom administrador precisa ser um bom comunicador. Não pode existir comunicação de qualidade se não houver o que comunicar. Comunicação não é ficção. É fato. Não é fantasia ou utopia. É realidade.
Qual a sua opinião sobre o comunicador brasileiro?
O comunicador brasileiro é de padrão mundial. Tenho participado de alguns cursos da ABERJE com professores americanos. Em todos fica patente o alto nível do pessoal que hoje trabalhar nas empresas e na área pública. O drama é que os comunicadores precisam ser mais ouvidos. As empresas precisam transitar da época da publicidade e do marketing para a era da comunicação, integrando todos os saberes, a começar pelo saber da administração. O mundo moderno exige essa transição. Exige que esse novo salto aconteça e se consolide. É o que os autores de A Surdez das empresas procuram ressaltar. Nossa visão é crítica, mas a perspectiva é otimista. Como dizia o velho Gramsci: cético na avaliação, otimista na ação. É o que precisamos, crítica e ação. Palavras e ação. Comunicação é isso: pensamento e ação.
Fonte: Por Ricardo Lauricella, in www.aberje.com.br
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