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O caso Renan Calheiros e a moderna Relações Públicas

O desfecho do caso Renan Calheiros, com o senador condenado pelo Conselho de Ética do Senado e sob ameaça de ter seu mandato cassado ainda no decorrer desta semana, sugere uma questão: será que os políticos são vítimas de uma síndrome voluntária de surdez? O case que se segue, tendo como protagonista John D. Rockefeller, pode indicar caminhos para uma resposta consistente. Rockefeller era, na ocasião, o homem mais rico do planeta. Será que as lições aprendidas por ele poderiam também servir de parâmetro para políticos como Calheiros?

1914, abril, Colorado. Agora, Rockefeller1 estava no fundo do poço. Fazia tempos que o cenário estava armado para o confronto, fazia tempos que Rockefeller e o seu império vivia em permanente confronto com a Lei Antitrustes e, é evidente, os jornalistas. Agora, o ambiente se tornara ainda mais tenso e explosivo. De um lado, o aguerrido sindicato de mineiros de carvão, ansioso pela conquista de melhores salários e para ter sua legitimidade reconhecida pelas mineradoras, cuja liderança estava em poder da família Rockefeller. De outro, o governo americano, empenhado em moralizar a economia americana. Graças ao monopólio do petróleo, Rockefeller ergueu uma fortuna que parecia ser infinita, sem rival no planeta. Era um doador compulsivo de dinheiro, mas era visto como um "Barão Ladrão". Sua reputação era péssima. Um dos homens mais odiados da América.

No dia 20 de abril, o ódio cresceu e ganhou dimensões de um autêntico clamor nacional. Na cidade mineira de Ludlow, Colorado, um grupo de pessoas inocentes foram cruelmente assassinadas por seguranças armados que faziam a proteção das minas de carvão. Ao todo, duas mulheres, doze crianças e seis mineiros. Revoltados, mineiros armados destruíram as instalações das minas e o que encontravam pela frente. Mais pessoas viriam a morrer. O levante se prolongou por uma dezena de dias e inflamou a indignação americana. A causa única era que as empresas mineradoras operavam como universos autônomos, com suas próprias leis e polícia. Tudo o que estivesse associado à palavra sindicato era considerado maldito por se constituir numa ameaça à propriedade privada. Nos EUA, o sentimento antimarxista grassava com muito maior virulência do que na Europa.

A violência vinha sendo fermentada havia 14 meses, se vista da perspectiva das greves, iniciadas em 1913. Na realidade, o drama entrara em cena em 1910, quando uma explosão numa das minas matou 71 trabalhadores. A imprensa denunciou o ambiente de trabalho como sendo a barbárie do carvão sujo de sangue. Os Rockefeller se mantiveram distantes do drama. Estavam mais preocupados com a dissolução do trust representado pela Standard Oil e com o afastamento do patriarca John D. Rockefeller da direção geral dos negócios. Tanto que logo a seguir o império Rockefeller, apesar de desmembrado, estava mais forte e lucrativo do que nunca.

Saibam que, à época do massacre de Ludlow, havia cerca de 14 mil trabalhadores em greve. Eram homens rudes, vindos de 32 países. Homens que falavam mais de duas dezenas de línguas - uma verdadeira babel - e que acreditavam ser Rockefeller o presidente dos Estados Unidos. Meses antes do massacre, em setembro de 1913, Rockefeller ironizou o situação: "Desejo que um dia a América tenha um presidente que seja de fato um homem de negócios". Não mudou de atitude até o dia do massacre. Em outubro, mineiros e seguranças trocaram tiros. Vários mineiros morreram. Em lugar da paz, as empresas mineradoras aumentaram os arsenais com rifles Winchester, revólveres e munição abundante. O governador do Colorado enviou a guarda nacional para restaurar a ordem.

Nada aconteceu. Rockefeller e seu filho Júnior, que duplicaria a fortuna amealhada pelo pai, permaneciam impassíveis. Se mantinham informados, mas não agiam para baixar a temperatura do confronto. Esqueciam ou não sabiam que os mineiros não eram reembolsados por trabalhos chamados "inoperantes", como colocar trilhos e vigas para que as minas pudessem funcionar. Esqueciam ou não sabiam que 1.700 mineiros tinham morrido nas minas do Colorado entre 1884 e 1912, o que significava índice quase três vezes superior à media americana. E fechavam os olhos para a opressão cotidiana dos acampamentos onde viviam os mineiros. Neles, da moeda à escola, passando pela venda de produtos de consumo e assistência religiosa, tudo, absolutamente tudo, era controlado pelas mineradoras.

Em dezembro de 1913, 20 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, estavam se comprimindo no acampamento dos mineiros. Junior, que sentiu a ameaça no ar, tentou convencer o pai a agir, mas se manteve imóvel. De repente, aconteceu a tragédia. Seguranças e mineiros trocaram tiros. Um grupo de seguranças ateou fogo nas tendas. Os seguranças estavam bêbados. A imprensa denunciou Rockefeller como "o monstro do capitalismo". O escritor Upton Sinclair ergueu a voz para acusar Rockefeller Jr. pelo "assassinato de pessoas no país". Quis entrevistá-lo, mas Júnior preferiu o silêncio. Houve passeata de protesto na Broadway. Manifestantes instigavam o povo a caçar Rockefeller Jr. e matá-lo a tiros. O presidente Woodrow Wilson interveio com tropas federais em Ludlow. Fotógrafos perseguiam Rockefeller por toda parte: do campo de golfe ao escritório. Mas ele se mantinha inflexível: não era responsável pelo massacre, apenas defendeu seu direito de propriedade.


Uma coisa é certa. As crises irão acontecer

No passado a pergunta era se as crises corporativas iam acontecer ou não. Hoje, a pergunta é quando irão acontecer. Vive-se num ambiente complexo de crescentes tensões, a envolver desde as reações ao pagamento de impostos que correspondem a 40% do PIB - na Colônia pegou-se em armas contra Portugal que cobrava apenas 20% - até os recorrentes impasses ambientais. Daí a necessidade de um Plano de Crise para qualquer empresa. Não vai impedir, é evidente, que a crise chegue, mas certamente tornará a empresa bem mais preparada para dar as respostas certas e sair do olho do furacão. O objetivo do gerenciamento de crise é preparar a organização para acontecimentos graves e inesperados que possam ameaçar a sustentabilidade. O importante, qualquer que seja a situação, é não perder a iniciativa, não deixar a mídia e a sociedade sem respostas concretas e, sobretudo, não negar evidências. Isto exige fibra, vigor, investimento e, principalmente, capacidade de reconhecer erros. E mais ainda: vontade de aprender não com os próprios erros, mas com os erros dos outros. Pois, sem cuidado com nossos atos, não há genuína prevenção de crises. E sem a genuína prevenção as crises tornam-se apenas questão de tempo, com custos geralmente muito altos. Comunicação é, acima de tudo, a arte de ouvir combinada com mudanças de atitude, paradigmas e modelos.

Na realidade, o melhor é fazer como fez Rockefeller. Ele, talvez, não. O filho certamente sim. Veja o que aconteceu, voltando novamente àquele trágico ano de 1914 no Colorado:

Em meio a crise, o poder do dinheiro dos Rockefeller perdeu valor. Seu filho Junior foi obrigado a ceder. Foi obrigado a reconhecer publicamente que seu pai - seu mentor e guia - era um homem de pontos de vista antiquados e fora de época. Sua ambição passou a ser resgatar o legado do pai. Não queria ver a reputação do patriarca da família vagando entre pilhas de cadáveres e ele, Junior, como um sonâmbulo perdido entre montanhas de críticas ferozes e ameaças de morte. Foi quando o grupo Rockefeller começou a mudar. Em 14 de dezembro de 1914, oito meses apos o massacre de Ludlow, a greve dos mineiros foi, afinal suspensa, e as tropas federais puderam bater em retirada. Antes, em maio, Junior, que evitava ler jornais para não tomar conhecimento das noticias ruins, reuniu-se pela primeira vez com um jovem jornalista de 36 anos, que à época assessorava o presidente da estrada de ferro da Pensilvânia. Seu nome: Ive Ledbetter Lee. Estava nascendo a moderna relações públicas e, como desdobramento, a assessoria de comunicação.


Nasce a moderna relações públicas

No encontro com Lee, Rockefeller Jr. afirmou: "Eu sinto que meu pai e eu somos somos muito mal interpretados pela imprensa e o povo americano. Gostaria de saber o que você me aconselha e o que devo fazer para tornar clara nossas posições." Instado a comprar a cobertura da mídia, Lee deixou evidente que pensava de forma diferente. Que a mídia devia trabalhar livre e francamente - confiança, nada mais do que confiança. Disse a Junior: "Meu primeiro conselho é que não se desvie da rota de maneira alguma". Mais tarde, Rockefeller definiria assim o novo assessor: "O sr. Lee é mais do que um relações públicas. Ele é um dos nossos conselheiros para diversos assuntos de natureza política."

Lee valorizou o que existia de construtivo no grupo Rockefeller. Exemplos:

- Como patrão, Rockefeller era considerado correto. Mantinha salários acima da média, com a intenção de conservar sempre ótimos profissionais. Inovador, muito antes de outras empresas americanas, Rockefeller instituiu programas assistenciais para funcionários pagando a metade do salário para os convalescentes sem que qualquer lei o obrigasse a fazê-lo. Foi ainda pioneiro num plano de pensões.
- Quem ficasse na empresa por 25 anos, ao completar 65 anos recebia 25% do salário médio pago nos últimos 10 anos.
- Ao longo dos anos, poucas greves foram realizadas em seus domínios.
- Desde 1901 o grupo mantinha nos EUA o Instituto de Pesquisas Médicas, inspirado no Instituto Kock, de Berlim, e no Instituto Pasteur, de Paris.

Em 1914 a Fundação Rockefeller, destinada a promover o bem estar da humanidade, ganha novo impulso. Em 1929 foi a vez do Rockefeller Center, construção iniciada em 1929 e concluída em 1939. Reunindo 12 edifícios de 70 andares, em Nova York, foi projetada para ser uma cidade dentro da cidade. Com painéis do muralista Diego Rivera, comunista, tornou-se uma mensagem concreta das possibilidades do desenvolvimento técnico, científico e humanístico da civilização.

A política de RP(no Brasil também chamada de assessoria de imprensa ou comunicação) corrigiu erros que Rockefeller, como outros empresários americanos, freqüentemente cometida. Exemplos:

- Distribuir dinheiro ao público. Onde Rockefeller ia, havia sempre algum assessor distribuindo moedas.
- O temor da imprensa e dos sindicatos foi substituído pela ênfase ao diálogo.

O que não mudou no patriarca dos Rockefeller:

- Atribuir sua fortuna à graça divina. Rockefeller sempre tinha ao alcance da mão um discurso pronto para se defender de possíveis acusações sobre a a origem do seu império: "Deus me deu o dinheiro", afirmava em entrevistas, o que era freqüentemente ridicularizado. Afinal, que Deus era aquele que privilegiava um único filho, sagrando-o Rei do Petróleo? Um precursor, como a Coca-Cola, do mercado global.
- Nunca deixou de cultivar um estilo simples e introvertido. Se relacionava de maneira muito discreta, só se permitindo momentos de descontração com a família e os filhos. Era impessoal e não dava liberdades a ninguém. Odiava as famosas brincadeiras entre pessoas que trabalhavam há muito tempo juntas. A chave do seu êxito, segundo ele mesmo, era o segredo. Não contava detalhes pessoais ou financeiros nem mesmo para os seus diretores de maior confiança. Os empregados eram instruídos a jamais contar segredos do escritório sob pena de demissão.
- Sentia pavor de sindicatos e montava sistemas de espionagem nas suas empresas para monitorar os empregados.
- Se comparado a outros milionários, apesar de toda a sua fortuna, vivia modestamente. A primeira vez que assistiu a uma peça de teatro tinha 60 anos.


Reputação recriada
O resto é história. O grupo Rockefeller tornou-se uma referência mundial em relacionamento com a mídia e a sociedade. Quando morreu, dois meses antes de completar 98 anos, John D. Rockefeller era um herói americano. No dia seguinte, os jornais dos quatro cantos do mundo lamentaram a sua morte. O ódio do passado, que boa parte dos americanos sentia, foi transformado em referência e admiração. O dinheiro elevou Rockefeller à condição de cidadão americano mais rico de todos os tempos.

Este o desafio que os envolvidos em situações de crises poderão levar à prática. Pois é impossível um político, uma corporação, uma instituição existir contra aquela que é a sua razão de viver: o cidadão, a sociedade, o cliente. Pois a Comunicação tem seus limites. Trata-se de um meio, não de um fim. Sem que mudem os modelos de negócios, os modelos de fazer política, de gerir o Estado, pouco se consegue avançar. Sem que mude a cultura empresarial, a cultura política, permanece-se preso aos fios de aço do passado. Sem mudança, sem avançar no rumo da pós-modernidade a corporação, no máximo, pode aspirar um enterro solene. Ou o escárnio da opinião publica antes da morte. Ou, na melhor das hipóteses, a "graça" de apagar como um fósforo frio. Este o alerta que transpira das crises. Este o alerta que cabe ao comunicador enfatizar, insistir. Este o desafio pedagógico da Comunicação. Fica a pergunta: teria Renan Calheiros sangrado em praça pública se ao primeiro sinal da crise tivesse renunciado à presidência do Congresso?


Fonte: Por Francisco Viana, título original "Os dramas da cultura da surdez", in terramagazine.terra.com.br

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