O publicitário e consultor inglês John Grant, que tem clientes como as empresas Ikea e Sony Ericsson e é dono de um badalado blog verde chamado Greennormal, usa uma analogia para descrever a atual corrida das empresas para alardear suas supostas ações sociais e, sobretudo, as ambientais. "É como no início da internet, quando toda companhia colocava qualquer coisa na rede para dizer que tinha um site", diz ele. "Mas poucas tinham algo que realmente funcionasse e fosse benéfico no longo prazo para o próprio negócio ou os consumidores." A distância entre o discurso verde e a ação efetiva é um fenômeno que pode ser observado em todo o mundo. No Brasil não é diferente. Um exemplo recente é o barulho feito pela Ipiranga Distribuidora, que há três semanas lançou um cartão de crédito próprio -- acompanhado de uma vistosa campanha de divulgação que, segundo publicitários ouvidos por EXAME, deve consumir algo em torno de 20 milhões de reais (a Ipiranga não revela o investimento). Ao usar o Cartão Ipiranga Carbono Zero para encher o tanque, o consumidor tem o compromisso da empresa de que árvores serão plantadas para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa do veículo. "Estamos dando aos nossos clientes, sem cobrar nada a mais por isso, uma oportunidade única", diz Leocadio de Almeida Antunes Filho, diretor-superintendente da Ipiranga.
Embora legítima e pioneira -- nenhuma concorrente da Ipiranga no Brasil ou no mundo tentou até agora colocar em prática uma estratégia para compensar o dano causado pelos consumidores finais de combustível --, a iniciativa da companhia tem pontos vulneráveis. O primeiro deles é que, no afã de sair à frente das outras empresas do setor, a Ipiranga lançou o programa sem antes fazer um estudo para saber quanto ela própria produz de gases de efeito estufa. "Não fizemos ainda um inventário das nossas emissões ou definimos metas de redução", diz Antunes Filho, da Ipiranga. "Mas não temos nenhum processo industrial relevante e, por isso, decidimos focar primeiramente no cliente."
A decisão tem um forte apelo de marketing, e é sempre melhor fazer algo nesse sentido do que não fazer nada. Mas os críticos -- e, quando o assunto é sustentabilidade e meio ambiente, eles são particularmente atuantes -- alegam que a iniciativa da Ipiranga relega a segundo plano os danos causados pela própria companhia. Hoje, a Ipiranga conta com mais de 4 200 postos de gasolina espalhados pelo Brasil -- e para abastecê-los utiliza 500 caminhões próprios e terceirizados, que cruzam continuamente ruas e estradas do país. Mensalmente, essa frota roda algo em torno de 2,5 milhões de quilômetros -- o equivalente a cerca de 60 voltas ao redor da Terra.
Outra crítica feita por especialistas é que a campanha acaba funcionando como uma espécie de incentivo ao consumo de combustível. "É um absurdo induzir o cliente à crença de que o plantio de árvores vai resolver o problema do aquecimento global ou isentá-lo de qualquer responsabilidade quanto ao futuro do planeta", diz Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos. É provável que o principal objetivo de ações como a da Ipiranga não seja convencer o consumidor de que a empresa não tem nada a ver com os problemas ambientais do mundo, e sim apenas criar uma imagem positiva num mercado que cada vez mais se importa com esse tipo de questão. "Estamos sendo bombardeados com reclamações porque há um evidente exagero das nossas associadas ao comunicar suas políticas", diz Young, do Ethos, entidade que reúne mais de 1 200 empresas.
Para não cair em descrédito
As recomendações dos especialistas às empresas que estão investindo em ações ligadas à sustentabilidade:
- Planeje com cuidado
Resista à pressão das agências de publicidade e dos executivos dos departamentos de marketing para entrar de maneira atabalhoada na onda. Preocupe-se primeiro em estabelecer políticas socioambientais sólidas
- Seja honesto
Enaltecer apenas as qualidades não é o mais importante ao comunicar o compromisso com a sustentabilidade. Expor falhas ou limitações garante mais credibilidade à sua empresa
- Não suma
Depois de lançar um projeto, esteja pronto para comunicar os resultados de tempos em tempos. Nunca subestime a capacidade dos consumidores ou das ONGs de monitorar o que sua empresa está (ou não) fazendo
- Cuidado com os exageros
Qualquer slogan pode ser usado contra sua empresa. Lembre-se de que nenhuma empresa é “100% sustentável” nem capaz de neutralizar “toda” a emissão de carbono de seus clientes
ESTRUTURAR PROGRAMAS consistentes relacionados à sustentabilidade leva tempo -- um tempo que nem todas as empresas estão dispostas a esperar. Os técnicos da ONG WWF-Brasil, por exemplo, vêm quebrando a cabeça há quase um ano para montar um programa de neutralização de carbono para a companhia aérea TAM. "É claro que os executivos de marketing da empresa gostariam que ele já estivesse pronto", diz Álvaro de Souza, presidente do conselho diretor da entidade. "Mas conseguimos convencê-los de que, para o bem deles e da WWF, todo cuidado na elaboração desse programa é pouco." Assediada por empresas interessadas em projetos de plantio de árvores, a SOS Mata Atlântica decidiu recentemente que só vai aceitar projetos de empresas interessadas em neutralizar suas emissões por um período de, no mínimo, cinco anos. "Não podemos proibi-las de gastar 3 000 reais para plantar árvores e 3 milhões de reais para divulgar isso", diz Adauto Basílio, diretor de captação de recursos da entidade. "Mas podemos, sim, definir regras para que essa ação tenha consistência."
Não há absolutamente nada errado em anunciar ao público ações que as empresas estejam adotando em prol da sustentabilidade. Pelo contrário. Além de ajudar a construir a imagem da empresa e a informar o consumidor, a divulgação costuma incentivar a adoção de boas práticas por parte do mercado como um todo. O problema está na dissociação entre mensagem e realidade. Na Inglaterra, os exageros e as distorções proporcionados pela onda verde têm dado trabalho extra para a Advertising Standards Authority (ASA), entidade privada que auto-regulamenta a propaganda no país. Só até agosto deste ano, a ASA já julgou mais de 200 reclamações de consumidores re lacionadas a campanhas verdes consideradas enganosas. Durante todo o ano passado, foram 78. Seguindo a orientação da entidade, a montadora Volkswagen e a rede de varejo Tesco já suspenderam a veiculação de anúncios. Em meados de julho, a companhia aérea irlandesa de baixo custo Ryanair também teve de interromper uma campanha nacional.
Segundo a ASA, a empresa fez uma propaganda em que falava sobre o impacto da indústria de aviação na emissão de dióxido de carbono que induzia a erro. "Tendo a ser muito cético em relação às companhias que fazem barulho demais", diz Steven Hamburg, Ph.D. da Universidade Brown, nos Estados Unidos. Envolvido em projetos que visam mitigar o impacto do setor privado sobre o meio ambiente no país, Hamburg vê com desconfiança o Ecomagination, programa criado pela General Electric para transformar a empresa numa máquina de venda de produtos e de tecnologias ecologicamente corretos. No ano passado, o conglomerado, sob o comando de Jeffrey Immelt, faturou 163 bilhões de dólares. As vendas de produtos verdes cresceram 20% em relação ao ano anterior -- ainda assim, só representam 7% do faturamento total da companhia. "É muita visibilidade e discurso para pouca substância", afirma Hamburg.
A disseminação rápida da informação e a vigilância cada vez maior de entidades civis, ONGs e do próprio consumidor aumentam o nível de exigência em relação aos programas das empresas e à forma como eles são comunicados. A Unilever, por exemplo, tem como política divulgar apenas suas ações sociais que são desenvolvidas há mais de três anos e que tenham apresentado resultados. "A bandeira da sustentabilidade foi acolhida pelos profissionais de marketing", diz Marco Antonio Fujihara, fundador da consultoria Instituto Totum, especializada em desenvolvimento sustentável. "E cabe a eles provar que isso não é necessariamente ruim."
Fonte: Por Ana Luiza Herzog, in portalexame.abril.com.br
Embora legítima e pioneira -- nenhuma concorrente da Ipiranga no Brasil ou no mundo tentou até agora colocar em prática uma estratégia para compensar o dano causado pelos consumidores finais de combustível --, a iniciativa da companhia tem pontos vulneráveis. O primeiro deles é que, no afã de sair à frente das outras empresas do setor, a Ipiranga lançou o programa sem antes fazer um estudo para saber quanto ela própria produz de gases de efeito estufa. "Não fizemos ainda um inventário das nossas emissões ou definimos metas de redução", diz Antunes Filho, da Ipiranga. "Mas não temos nenhum processo industrial relevante e, por isso, decidimos focar primeiramente no cliente."
A decisão tem um forte apelo de marketing, e é sempre melhor fazer algo nesse sentido do que não fazer nada. Mas os críticos -- e, quando o assunto é sustentabilidade e meio ambiente, eles são particularmente atuantes -- alegam que a iniciativa da Ipiranga relega a segundo plano os danos causados pela própria companhia. Hoje, a Ipiranga conta com mais de 4 200 postos de gasolina espalhados pelo Brasil -- e para abastecê-los utiliza 500 caminhões próprios e terceirizados, que cruzam continuamente ruas e estradas do país. Mensalmente, essa frota roda algo em torno de 2,5 milhões de quilômetros -- o equivalente a cerca de 60 voltas ao redor da Terra.
Outra crítica feita por especialistas é que a campanha acaba funcionando como uma espécie de incentivo ao consumo de combustível. "É um absurdo induzir o cliente à crença de que o plantio de árvores vai resolver o problema do aquecimento global ou isentá-lo de qualquer responsabilidade quanto ao futuro do planeta", diz Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos. É provável que o principal objetivo de ações como a da Ipiranga não seja convencer o consumidor de que a empresa não tem nada a ver com os problemas ambientais do mundo, e sim apenas criar uma imagem positiva num mercado que cada vez mais se importa com esse tipo de questão. "Estamos sendo bombardeados com reclamações porque há um evidente exagero das nossas associadas ao comunicar suas políticas", diz Young, do Ethos, entidade que reúne mais de 1 200 empresas.
Para não cair em descrédito
As recomendações dos especialistas às empresas que estão investindo em ações ligadas à sustentabilidade:
- Planeje com cuidado
Resista à pressão das agências de publicidade e dos executivos dos departamentos de marketing para entrar de maneira atabalhoada na onda. Preocupe-se primeiro em estabelecer políticas socioambientais sólidas
- Seja honesto
Enaltecer apenas as qualidades não é o mais importante ao comunicar o compromisso com a sustentabilidade. Expor falhas ou limitações garante mais credibilidade à sua empresa
- Não suma
Depois de lançar um projeto, esteja pronto para comunicar os resultados de tempos em tempos. Nunca subestime a capacidade dos consumidores ou das ONGs de monitorar o que sua empresa está (ou não) fazendo
- Cuidado com os exageros
Qualquer slogan pode ser usado contra sua empresa. Lembre-se de que nenhuma empresa é “100% sustentável” nem capaz de neutralizar “toda” a emissão de carbono de seus clientes
ESTRUTURAR PROGRAMAS consistentes relacionados à sustentabilidade leva tempo -- um tempo que nem todas as empresas estão dispostas a esperar. Os técnicos da ONG WWF-Brasil, por exemplo, vêm quebrando a cabeça há quase um ano para montar um programa de neutralização de carbono para a companhia aérea TAM. "É claro que os executivos de marketing da empresa gostariam que ele já estivesse pronto", diz Álvaro de Souza, presidente do conselho diretor da entidade. "Mas conseguimos convencê-los de que, para o bem deles e da WWF, todo cuidado na elaboração desse programa é pouco." Assediada por empresas interessadas em projetos de plantio de árvores, a SOS Mata Atlântica decidiu recentemente que só vai aceitar projetos de empresas interessadas em neutralizar suas emissões por um período de, no mínimo, cinco anos. "Não podemos proibi-las de gastar 3 000 reais para plantar árvores e 3 milhões de reais para divulgar isso", diz Adauto Basílio, diretor de captação de recursos da entidade. "Mas podemos, sim, definir regras para que essa ação tenha consistência."
Não há absolutamente nada errado em anunciar ao público ações que as empresas estejam adotando em prol da sustentabilidade. Pelo contrário. Além de ajudar a construir a imagem da empresa e a informar o consumidor, a divulgação costuma incentivar a adoção de boas práticas por parte do mercado como um todo. O problema está na dissociação entre mensagem e realidade. Na Inglaterra, os exageros e as distorções proporcionados pela onda verde têm dado trabalho extra para a Advertising Standards Authority (ASA), entidade privada que auto-regulamenta a propaganda no país. Só até agosto deste ano, a ASA já julgou mais de 200 reclamações de consumidores re lacionadas a campanhas verdes consideradas enganosas. Durante todo o ano passado, foram 78. Seguindo a orientação da entidade, a montadora Volkswagen e a rede de varejo Tesco já suspenderam a veiculação de anúncios. Em meados de julho, a companhia aérea irlandesa de baixo custo Ryanair também teve de interromper uma campanha nacional.
Segundo a ASA, a empresa fez uma propaganda em que falava sobre o impacto da indústria de aviação na emissão de dióxido de carbono que induzia a erro. "Tendo a ser muito cético em relação às companhias que fazem barulho demais", diz Steven Hamburg, Ph.D. da Universidade Brown, nos Estados Unidos. Envolvido em projetos que visam mitigar o impacto do setor privado sobre o meio ambiente no país, Hamburg vê com desconfiança o Ecomagination, programa criado pela General Electric para transformar a empresa numa máquina de venda de produtos e de tecnologias ecologicamente corretos. No ano passado, o conglomerado, sob o comando de Jeffrey Immelt, faturou 163 bilhões de dólares. As vendas de produtos verdes cresceram 20% em relação ao ano anterior -- ainda assim, só representam 7% do faturamento total da companhia. "É muita visibilidade e discurso para pouca substância", afirma Hamburg.
A disseminação rápida da informação e a vigilância cada vez maior de entidades civis, ONGs e do próprio consumidor aumentam o nível de exigência em relação aos programas das empresas e à forma como eles são comunicados. A Unilever, por exemplo, tem como política divulgar apenas suas ações sociais que são desenvolvidas há mais de três anos e que tenham apresentado resultados. "A bandeira da sustentabilidade foi acolhida pelos profissionais de marketing", diz Marco Antonio Fujihara, fundador da consultoria Instituto Totum, especializada em desenvolvimento sustentável. "E cabe a eles provar que isso não é necessariamente ruim."
Fonte: Por Ana Luiza Herzog, in portalexame.abril.com.br
Comentários