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Marcas: criadoras e criaturas de sistemas simbólicos

As marcas possuem, hoje, um papel quase natural em nossas vidas. Impossível imaginar, por exemplo, as prateleiras de um supermercado com produtos sem marcas estampadas em seus rótulos. Quanto tempo a mais gastaríamos para fazer compras se precisássemos ler a descrição de cada um e avaliar - sem a ajuda das marcas - a melhor relação custo x benefício dentre tantas ofertas? Ou, alternativamente, seríamos capazes de escolher um carro ou um computador sem marca pela avaliação técnica dos seus atributos?

A multiplicação da oferta e a sofisticação tecnológica de produtos e serviços tornaram as marcas um instrumento quase necessário em nossos processos de escolha. Elas comunicam e resumem determinadas características, reduzindo a assimetria de informação entre os agentes e tornando o processo de compra menos desgastante.

Os atributos comunicados pelas marcas, porém, não se resumem às características concretas de performance. Mais do que selos de qualidade, as marcas comunicam e ajudam a construir estilos por meio de nossas infinitas escolhas de compra e consumo feitas diariamente.

Numa sociedade em que as trocas de bens e serviços ocorrem, em sua maior parte, por meio da mediação de mercado, observa-se que as marcas funcionam como verdadeiras ferramentas de identificação, agrupando e distinguindo pessoas e coisas.

Seu fetiche consiste não apenas no que podem ‘dizer’ sobre quem as produz, comercializa e consome, mas também em sua participação ativa na abertura de novas possibilidades de agrupamento. Estilos criados em torno de grifes de moda ou selos musicais, por exemplo, podem evidenciar linhas de afinidade entre pessoas, criando novas ‘tribos’ ou oferecendo a tribos existentes possibilidades de reafirmarem sua identidade no campo social.

As marcas atuam, assim, simultaneamente como ‘criadoras’ e ‘criaturas’ de sistemas classificatórios. São objetos e instrumentos para novas manifestações simbólicas.

Nessa ótica, o ‘mundo dos objetos’ aparece na sociedade contemporânea como excelente pista investigativa, uma espécie de lago espelhado, onde muitas outras correntezas de natureza política, religiosa, sociológica e histórica interagem em um todo complexo e de rápidas mudanças.

A contrapartida do papel simbólico exercido pelas marcas é sua influência sobre a geração e a repartição de valor. Nesse caso, nada mais elucidativo que imaginar um perfume Chanel sem o logotipo estampado e o frasco característicos. Quanto esse produto perderia em valor? Pesquisas estimam que mais de 95 por cento de seu valor cairia por terra... Isto significa dizer que a marca influencia significativamente a criação e a apropriação do excedente econômico e, portanto, posiciona-se no epicentro da lógica de reprodução do mercado.

Dado seu papel distintivo no preço e na demanda, e, portanto, na rentabilidade da maioria dos negócios, parece coerente a existência de um mecanismo endógeno para ampliação do número de marcas e disputa pelo reforço de uma identidade ou um posicionamento próprio na mente do consumidor. A bibliografia da administração, aliás, vem dedicando, há quase duas décadas, esforços e variações sobre o tema do ‘posicionamento de marcas’ e sua importância para o sucesso do negócio. Assuntos como ‘ganhar a batalha da mente do consumidor’ ou obter ‘posicionamento relevante e único’ ganham cada vez mais destaque e novas roupagens.

E o que significa o posicionamento de uma marca que não seja a demarcação de seu território simbólico, de sua forma específica de atender a necessidades físicas e emocionais do consumidor?

A busca por uma posição relativamente marcante diante da multiplicidade de ofertas de outros competidores atua, portanto, como um propulsor não apenas da multiplicação de marcas e dos produtos e serviços específicos, como da criação e repartição de segmentos simbólicos aos quais possam associar-se. Dados recentes de pesquisa demonstram, por exemplo, que jogos e objetos lúdicos de crianças no seu processo de identificação estão sendo, em parte, substituídos precocemente pelo consumo de produtos, serviços e marcas adaptados do universo dos adultos. Crianças conhecendo-se e distinguindo-se precocemente por meio de marcas...

Marcas como personagens que suscitam vínculos emocionais em seus consumidores. Marcas que identificam. Marcas que facilitam o processo de escolha. Afinal, de onde emana esse poder? Qual o nível de separação entre sujeito e objeto na relação com as marcas? Por que, na linguagem comum, a marca é retratada como algo fútil ou que encobre, mas na prática, direciona grande parte do processo de compra dos bens de consumo? Como as pessoas reduzem a dissonância entre seu processo real de escolha e sua observação racional do fenômeno das marcas? É possível imaginar um mundo sem marcas? O quanto pode uma marca?

Essa perspectiva multifacetada da marca poderá contribuir para o maior entendimento sobre seu poder e fascínio, tão ‘naturalizados’ em nosso cotidiano.

As marcas sendo, enfim, um fenômeno social sobre o qual ainda há verdades a descobrir: inicialmente, porque sabemos que não sabemos, e também porque temos o sentimento vivo da quantidade de fatos que ele envolve.


Fonte: Por Cristina Sayão - economista com mestrado em negócios eo diretora de Projetos da Brandanalytics, empresa especializada em estratégia e avaliação de marcas, in www.nosdacomunicacao.com

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