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Quando foco demais pode virar miopia

Cultivei, ao longo do tempo, uma verdadeira obsessão pela manutenção do foco: só aceitava trabalhar em projetos que tivessem a ver com a criação ou reestruturação de redes de franquias. Até que, em 1996, me procurou o então presidente da Lojas Americanas, querendo nos contratar para tratar como franquia um negócio que nada tinha a ver com franchising.

Seu objetivo era iniciar pelas lanchonetes um processo de padronização das cerca de 110 filiais da rede existentes na época, para ganhar mais controle sobre a experiência de consumo que cada uma proporcionava aos respectivos clientes. Para isso, pensava em utilizar os mesmos mecanismos que as empresas franqueadoras empregam. E Peter Rodenbeck, então presidente do McDonald’s - e hoje presidente do Starbucks e do Outback - havia sugerido que nos procurasse.

Confesso que, inicialmente, eu não quis sequer formular uma proposta de trabalho. Entendia que era algo fora do nosso foco. Mas o tal presidente -- que era ninguém menos que Fersen Lambranho, hoje um dos comandantes da poderosa GP Investimentos, a maior compradora de empresas do Brasil - tanto argumentou que me convenceu de que nosso negócio não era lidar apenas com franquias.

Atuar naquele projeto mostrou que os mecanismos de gestão de rede empregados pelos franqueadores mais bem-sucedidos - que conhecíamos e dominávamos - se prestavam a otimizar o desempenho da maioria dos demais canais de marketing.

A partir dessa experiência, e graças à persistência de Fersen, passamos a prestar serviços para organizações que, para ocupar o mercado e interagir com os consumidores, utilizam canais diversos como revendas, distribuidores, filiais, agências, corretores, representantes comerciais, assistências técnicas, força de vendas própria e outros, inclusive franquias.

Isso abriu um universo de oportunidades, nos estimulou a buscar e desenvolver novos conhecimentos e nos transformou em uma consultoria sem paralelo. Na busca de um benchmark, temos procurado pelo mundo alguém que faça exatamente o mesmo que nós e até o momento não encontramos.

Agora, imagine você o que teria acontecido se Fersen não houvesse insistido. Ou se, em nome do foco, eu tivesse sido ainda mais teimoso do que ele, não aceitando trabalhar no seu projeto. Minha empresa seria bem diferente - muito menor e com menos perspectivas - do que é hoje.

Theodore Levitt tinha razão quando disse que, ao estabelecer seu foco de atuação, a empresa deve se preocupar com o cliente, não com o produto. A razão de existir de cada empresa não é produzir isto ou aquilo: é conquistar e manter clientes. Fazendo, é óbvio, apenas o que sabe fazer melhor. Mas a definição do que fazer exige mente aberta, para não incidir no erro de, por excesso de foco, acabar criando uma empresa míope.


Fonte: Por Marcelo Cherto, in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 11

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