Pular para o conteúdo principal

Consumidores, produtores e inteligência de mercados

Consumidores e eleitores enfrentam o problema da desinformação e da incerteza. Não sabem se o que lhes é oferecido é de boa qualidade. Ou se é o melhor que poderiam obter pelo preço que pagam. Podem diminuir esse problema recorrendo a indicações, guias, garantias, marcas, reportagens, ideologias e idiossincrasias.

Estas duas últimas os eximem de pesquisar, ler, analisar e escolher. Adotando determinadas preferências e comportamentos, algumas pessoas barateiam seu custo de escolha. Os que fazem uso de pesquisa, depois desse custo inicial costumam se apegar às escolhas feitas para não as ter que repetir a cada rodada. Filósofos da administração e do marketing chamam isso de fidelização.

Para os vendedores de produtos, serviços e candidaturas existe outro tipo de problema, articulado com aquele. Como conhecer e conquistar as necessidades e preferências dos consumidores e eleitores? Como fidelizá-los? A fase de oferecer garantias, selos, prêmios e prestação de contas é posterior ao problema fundamental: do que o público precisa? Quanto ele está disposto a pagar? O que influencia sua decisão de compra e sua escolha? O que o faria mudar de posição? Como renovar e manter suas decisões e escolhas?

Há um campo ainda mais sofisticado nessa epistemologia: como criar necessidades? Como produzir e vender coisas para as quais não há utilidade aparente? E por aí seguem as dúvidas, num rol extenso como os de Sócrates, mas que, ao contrário das sabatinas deste, concluem que sempre é preciso e possível consumir mais.

O que está dito não tem intenção negativa. Os dois vetores (diminuição da incerteza da demanda e conhecimento do público-alvo da oferta) têm contribuído para melhorar a qualidade da produção e do consumo. Assim como consumidores e eleitores intensificam a pesquisa informacional, produtores recorrem a ferramentas científicas de prospecção, diagnóstico e projeção. O resultado é majoritariamente virtuoso. Os requisitos de qualidade são cada vez maiores e mais respeitados, sob pena de sanções institucionais ou reputacionais extremamente caras - ou mortíferas.

Do lado da demanda, agregamos o conjunto de comportamentos de redução de incertezas sob o título de direitos do consumidor/cidadão/eleitor. Do lado da oferta, a redução de riscos vem sob a classificação de inteligência de mercados. Perfis demográficos, estratificação de renda, idade e escolaridade, padrões de consumo, elasticidades, preferências objetivas e subjetivas - enfim, mapas complexos podem ser mensurados para subsidiar a decisão de produção e de candidaturas.

Ponderando-se adequadamente as principais variáveis, evitam-se erros importantes. Claro que correlações falsas levam a decisões falsas. Nem sempre a falta de oferta anuncia mercado potencial - a ausência de bicicletarias em Ouro Preto é bom exemplo. E nem sempre o excesso de oferta tria os melhores e cerceia novos ofertantes - a profusão de livros de administração e marketing serve de incentivo.

Numa escala mais abrangente, grandes investidores também fazem uso de instrumental parecido. Bancos de investimento, fundos de pensão, agências de fomento e outros, com carteiras numerosas, caras e de longo prazo, precisam perscrutar os setores, empresas e empreendimentos em que investem. Nem sempre bons números sustentam setores de grande futuro. Só para ficar em exemplos passados (outro dia mesmo): VHS, máquinas de escrever elétricas, fax, caçadores de marajás. E nem sempre setores profícuos abrigam empresas rentáveis no curto prazo: tecnologia, genética e fármacos
são paradigmáticos.

As análises de inteligência de mercados são cada vez mais robustas e precisas. Vão desde a macroeconomia e a sociologia até a detalhes do produto. Passam, claro, pelo estudo do setor, do benchmark, do custo de oportunidade, do fluxo operacional e financeiro esperado e de muitos outros aspectos.

Obviamente, não evitam que se lancem maus produtos e candidatos. Também não conseguem antecipar todas as possibilidades - a inovação é sempre o grande motor, seja pelo lado da demanda, seja pelo da oferta. Tampouco explicam produção e venda de produtos políticos absolutamente insólitos ou supérfluos -- sempre há mercado para praticamente tudo.


Fonte: Por Luiz Guilherme Piva, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Funcionários da Domino´s Pizza postam vídeo no You Tube e são processados

Dois funcionários irresponsáveis imaginam um vídeo “muito engraçado” usando alimentos e toda sorte de escatologia. O cenário é uma cozinha da pizzaria Domino´s. Pronto, está feito o vídeo que mais chamou a atenção da mídia americana na semana passada. Nele, os dois funcionários se divertem enquanto um espirra na comida, entre outras amostras de higiene pessoal. Tudo isso foi postado no you tube no que eles consideraram “uma grande brincadeira”. O vídeo em questão, agora removido do site, foi visto por mais de 930 mil pessoas em apenas dois dias. (o vídeo já foi removido, mas pode ser conferido em trechos nesta reportagem: http://www.youtube.com/watch?v=eYmFQjszaec ) Mas para os consumidores da rede, é uma grande(síssima) falta de respeito. Restou ao presidente a tarefa de “limpar” a bagunça (e a barra da empresa). Há poucos dias, Patrick Doyle, CEO nos EUA, veio a público e respondeu na mesma moeda. No vídeo de dois minutos no You Tube, Doyle ( http://www.youtube.com/watch?v=7l6AJ49xNS