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A tecnologia será invisível

Um dos fenômenos que marcaram os últimos anos do século 20 foi a democratização da tecnologia. Durante décadas, apenas as grandes corporações podiam manter uma estrutura própria de equipamentos caros e poderosos. A miniaturização e o barateamento de componentes permitiram mais tarde que os computadores passassem a fazer parte da vida cotidiana no trabalho e nas casas. O mundo da tecnologia, porém, está às vésperas de uma nova e profunda transformação. Em um futuro próximo, tudo o que acontece dentro do computador -- desde o processamento até o armazenamento de informações -- deve migrar para a internet. Os documentos, assim como os programas usados para criar e modificar esses arquivos, estarão guardados em servidores espalhados pela internet. O PC vai ser apenas um dos meios de acessar essas informações, a qualquer hora, de qualquer lugar. Na esfera das empresas, a mudança representa o desaparecimento de grandes servidores, por exemplo. Os contornos dessa transformação -- mais profunda do que parece à primeira vista -- são delineados na obra The Big Switch: Rewiring the World, from Edison to Google ("A grande virada: reconectando o mundo, de Edison ao Google", em tradução livre e ainda sem previsão de lançamento no Brasil), escrita pelo especialista em tecnologia e ex-editor da revista Harvard Business Review Nicholas Carr. Recém-lançado nos Estados Unidos, o livro é uma visão do novo mundo da tecnologia. Seu uso, argumenta Carr, será cada vez mais parecido com o da luz elétrica: vamos nos conectar a uma rede de informações e pagaremos de acordo com o consumo.

A idéia é poderosa e tem implicações profundas e imediatas para a indústria de software e hardware, na qual prosperaram potências inquestionáveis como Microsoft e IBM. No cenário delineado por Carr, ninguém mais precisará comprar um software para ter em sua máquina o programa que deseja. Ele será um serviço disponível via internet, pago em mensalidades ou até mesmo gratuito. Um dos exemplos disso é o Google, que oferece versões rudimentares de processadores de texto e planilhas eletrônicas que podem ser utilizadas em qualquer computador conectado à internet. Trata-se de uma ameaça séria ao negócio mais lucrativo da Microsoft, o conjunto de programas Office -- e um dos motivos para que a maior empresa de software do mundo queira comprar o Yahoo! (veja reportagem na pág. 90). "A internet tornou-se literalmente nosso computador. Os diferentes componentes que costumavam estar isolados na caixa fechada de um computador podem ser agora dispersos pelo mundo, integrados pela rede e compartilhados por todos", escreve o autor.

A narração fluente e didática de Carr, colaborador de publicações como o jornal Financial Times e a revista Forbes, equilibra idéias e boas histórias. Uma das mais atraentes é o paralelo entre as transformações econômicas e sociais de sencadeadas pelo surgimento da eletricidade durante o período pós-Revolução Industrial e as mudanças que seguiram a era computacional. Um século atrás, as indústrias que dependiam da força humana, do vapor e dos dínamos encontraram na energia elétrica uma nova forma de mover suas máquinas e impulsionar o processo produtivo. O grande personagem dessa época foi o inventor e empresário americano Thomas Edison, que no final do século 19 levou a eletricidade para dentro das casas. A visão de Edison não só transformou o funcionamento das empresas mas alterou o ritmo de vida e a cultura da sociedade. Na avaliação de Carr, algo vai acontecer com a oferta de serviços de tecnologia pela internet. "Se o dínamo elétrico caracterizou a sociedade do século 20 e fez com que fôssemos quem somos, o dínamo da informação transformará a nova sociedade do século 21", diz.

The Big Switch é menos polêmico que a obra de estréia de Carr, Does IT Matter? ("TI importa?", em tradução livre), publicado em 2004. Na época do lançamento, Carr causou furor ao argumentar que a tecnologia da informação havia se tornado uma commodity. Ao alcance de todas as empresas, o uso de sistemas tecnológicos teria deixado de representar uma vantagem competitiva. A idéia teve repercussão enorme entre os compradores -- e sobretudo entre os vendedores -- de tecnologia. Em seu novo livro, não há nenhuma afirmação tão corajosa ou original. Carr, no entanto, alfineta ícones da tecnologia. Ele dedica um capítulo inteiro, com o sugestivo título "Adeus, senhor Gates", a desfiar a fragilidade de algumas corporações gigantes diante da força do "computador universal" representado pela internet. Carr relembra um célebre memorando enviado por Bill Gates em outubro de 2005. Nele, o fundador da Microsoft alertava os engenheiros e os principais gerentes da empresa que a ascensão da computação como serviço poderia destruir os negócios tradicionais. Comparativamente, Carr expõe a trajetória de crescimento meteórico de empresas que nasceram na internet e criaram um modelo sustentável de negócios, como o YouTube. Com poucos funcionários, os americanos Chad Hurley e Steve Chen criaram uma empresa de 1,7 bilhão de dólares, vendida ao Google em 2006. Outro caso é o da Salesforce.com, criada em 1999 pelo ex-funcionário da Oracle Marc Benioff. Numa estratégia arriscada e pioneira, que declarava o fim do software tradicional, Benioff começou a oferecer um programa de gestão de relacionamento com clientes (CRM) via internet, jogando no lixo os servidores. A Salesforce.com faturou 500 milhões de dólares em 2007, com 38 000 clientes.

Composto de duas partes, o livro perde capacidade analítica e riqueza de detalhes da primeira para a segunda. O leitor encontra na primeira etapa o ponto alto da narrativa -- uma consistente descrição sobre os paralelos históricos que envolveram economia, cultura e sociedade na época da revolução da eletricidade e na da computação. Na segunda, embora haja uma descrição do que é viver na nuvem da internet, não existem respostas ou reflexões claras sobre o impacto da era da computação como serviço. A argumentação de Carr é, em alguns momentos, insuficiente para convencer o leitor, por exemplo, da teoria de que mesmo empregos fora do departamento de tecnologia estarão comprometidos com a popularização da entrega de serviços pela rede. Ele insinua que os efeitos dessa transição devem afetar inclusive profissionais que trabalham em áreas como finanças, mídia e até saúde. Não há elementos que sustentem por que ou como os postos de trabalho devem ser substituídos nesses casos. A pouca profundidade por vezes deixa brechas para que se questione se a sociedade viverá a revolução na forma de lidar com o computador ou apenas uma evolução desses modelos, conseqüência do que se convencionou chamar de web 2.0. O que o livro não deixa dúvida é que, embora o amadurecimento desse novo formato de computação talvez demore a acontecer, os primeiros passos foram dados. E, para alguns, o barulho que eles já fazem é assustador.


Fonte: Por Camila Fusco, in portalexame.abril.com.br

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