Abrir o capital é mais que atender aos nobres preceitos explicitados em leis que só os catedráticos conseguem destrinchar. É uma tremenda mudança cultural, principalmente no quesito "esclarecimentos desnecessários".
Numa empresa de capital fechado, as decisões não precisam ser explicadas a quem não tem livre acesso à sala da presidência. Qualquer outra pessoa que se atreva a fazer algum questionamento é chamada de "curiosa", se for sapo de fora, ou "impertinente", se fizer parte do quadro de funcionários. Numa empresa aberta, um questionador que prime pela curiosidade ou impertinência passa a ser chamado, respeitosamente, de "acionista".
Existem dois tipos de acionistas. Um, cognominado "o acionista", é o mesmo de sempre. O dono de fato, que detinha 100% da empresa e agora continua tendo uma parcela majoritária. Os outros, ditos "os acionistas", são os donos fracionários. Milhares de investidores que acreditam piamente no potencial da empresa e na competência dos dirigentes, mas nem por isso vão deixar de escarafunchar as contas e os métodos para ver se seu dinheirinho está sendo bem administrado.
É nessa hora que ocorre a mudança cultural. Explicações antes dadas ao dono, a portas fechadas, não necessariamente podem ser repetidas para uma legião de jornalistas especializados em recomendar a compra ou a venda de ações. Antes, o relacionamento era baseado na confiança. Agora, passa a ser técnico.
Essa mudança pode ser exemplificada com a construção da Torre de Babel. Como todo mundo sabe, a Babel bíblica é a Babilônia das saudosas aulas de História Geral. Pois lá, um dia, um grupo de empreendedores teve uma grande idéia, relatada no livro do Gênesis: construir uma cidade, e nela uma torre, cujo ponto mais alto tocasse o céu. Ademais, segundo o escriba, havia por trás da idéia duas intenções. A primeira era estratégica: evitar a dispersão do povo. Mas a segunda era pura vaidade: "Assim, ficaremos famosos".
Portanto, 50% dos objetivos tinham como meta um ativo intangível - a fama. Como a Torre de Babel era um empreendimento particular, os que mandavam não tinham que dar satisfações a ninguém. Por isso, não houve questionamentos sobre a sustentação de uma estrutura daquele tamanho, posto que arranha-céus só seriam viáveis dali a alguns milênios. Nem sobre levantamento, alocação e alavancagem de recursos. Isso, para não mencionar elementares políticas de recursos humanos e de responsabilidade social. O resultado é mais que conhecido. Em pouco tempo, cada um estava falando uma língua diferente, e a operação faliu.
Se a Torre de Babel tivesse sido um empreendimento de capital aberto, ela provavelmente não sairia do papiro. Essa é a diferença. Ao abrir o capital, uma empresa admite que todas as respostas precisam ser pensadas muito antes que as perguntas sejam formuladas. E com todos falando a mesma língua. A língua dos acionistas.
Fonte: Por Max Gehringer, in epocanegocios.globo.com
Numa empresa de capital fechado, as decisões não precisam ser explicadas a quem não tem livre acesso à sala da presidência. Qualquer outra pessoa que se atreva a fazer algum questionamento é chamada de "curiosa", se for sapo de fora, ou "impertinente", se fizer parte do quadro de funcionários. Numa empresa aberta, um questionador que prime pela curiosidade ou impertinência passa a ser chamado, respeitosamente, de "acionista".
Existem dois tipos de acionistas. Um, cognominado "o acionista", é o mesmo de sempre. O dono de fato, que detinha 100% da empresa e agora continua tendo uma parcela majoritária. Os outros, ditos "os acionistas", são os donos fracionários. Milhares de investidores que acreditam piamente no potencial da empresa e na competência dos dirigentes, mas nem por isso vão deixar de escarafunchar as contas e os métodos para ver se seu dinheirinho está sendo bem administrado.
É nessa hora que ocorre a mudança cultural. Explicações antes dadas ao dono, a portas fechadas, não necessariamente podem ser repetidas para uma legião de jornalistas especializados em recomendar a compra ou a venda de ações. Antes, o relacionamento era baseado na confiança. Agora, passa a ser técnico.
Essa mudança pode ser exemplificada com a construção da Torre de Babel. Como todo mundo sabe, a Babel bíblica é a Babilônia das saudosas aulas de História Geral. Pois lá, um dia, um grupo de empreendedores teve uma grande idéia, relatada no livro do Gênesis: construir uma cidade, e nela uma torre, cujo ponto mais alto tocasse o céu. Ademais, segundo o escriba, havia por trás da idéia duas intenções. A primeira era estratégica: evitar a dispersão do povo. Mas a segunda era pura vaidade: "Assim, ficaremos famosos".
Portanto, 50% dos objetivos tinham como meta um ativo intangível - a fama. Como a Torre de Babel era um empreendimento particular, os que mandavam não tinham que dar satisfações a ninguém. Por isso, não houve questionamentos sobre a sustentação de uma estrutura daquele tamanho, posto que arranha-céus só seriam viáveis dali a alguns milênios. Nem sobre levantamento, alocação e alavancagem de recursos. Isso, para não mencionar elementares políticas de recursos humanos e de responsabilidade social. O resultado é mais que conhecido. Em pouco tempo, cada um estava falando uma língua diferente, e a operação faliu.
Se a Torre de Babel tivesse sido um empreendimento de capital aberto, ela provavelmente não sairia do papiro. Essa é a diferença. Ao abrir o capital, uma empresa admite que todas as respostas precisam ser pensadas muito antes que as perguntas sejam formuladas. E com todos falando a mesma língua. A língua dos acionistas.
Fonte: Por Max Gehringer, in epocanegocios.globo.com
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