Pular para o conteúdo principal

Comunicação de risco, controvérsia e democracia

Uma das características mais marcantes da comunicação organizacional de nossos dias é a incidência avassaladora de múltiplos temas controversos, que têm exigido das suas direções (e particularmente das estruturas profissionalizadas de comunicação) disposição e competência da enfrentá-los.

Evidentemente, a relação das organizações com os temas depende de sua área de atuação, mas há alguns deles que dizem respeito a todas elas, como a problemática ambiental (em especial a obrigatoriedade de uma gestão sustentável), a questão ética (a transparência é um dos atributos da organização moderna) e a responsabilidade social (respeito ao consumidor, à comunidade, aos funcionários etc).

Para algumas organizações, alguns temas são absolutamente nevrálgicos, como o respeito à biodiversidade para as empresas que fabricam e comercializam transgênicos; a saúde para a indústria tabagista; a poluição e a devastação para mineradoras, petrolíferas, empresas de papel e celulose etc.

Recentemente (dia 16/02/2009) , fomos brindados com a defesa da tese de doutorado da pesquisadora Maria da Graça Miranda de França Monteiro, da área de comunicação da Embrapa, na Universidade de Brasília (UNB) e que tratou especificamente deste tema.

Graça Monteiro, após excelente revisão bibliografia, explicitação dos conceitos básicos envolvidos nesta temática (comunicação pública, comunicação sobre risco, comunicação de crise etc), analisou especificamente a divulgação dos transgênicos pela Embrapa, uma das mais importantes empresa de pesquisa agropecuária de todo o mundo e certamente a de maior competência na área de comunicação.

A proposta da pesquisadora foi relacionar a gestão da comunicação sobre risco com democracia, entendendo que as organizações democráticas são transparentes, ágeis e estão dispostas a um diálogo profícuo com os seus públicos de interesse e com a sociedade de maneira geral.

A discussão empreendida por Graça Monteiro é relevante, fundamental porque, apesar do discurso grandiloquente de muitas organizações, elas na prática são avessas à transparência, buscando, com freqüência valer-se de meias verdades em sua comunicação, quando não de um deliberado processo de manipulação.

Temendo prejuízos (sobretudo econômicos e financeiros), as organizações insistem em não dizer a verdade, mesmo que essa postura traga prejuízos a consumidores, clientes ou à população de maneira geral. Na prática, adotam uma postura autocrática, incorporando em sua comunicação aspectos técnicos de difícil compreensão ou simplesmente mentem para preservar os seus privilégios e interesses.

Infelizmente, esta postura esta respaldada em ações e estratégias pensadas e desenvolvidas por agências de propaganda, assessorias de imprensa, comunicação ou relações públicas que, sob o pretexto de atenderem aos clientes, penalizam a sociedade.

A sociedade da informação tem obrigado as organizações a investirem, cada vez mais, na produção de notícias e, se o interesse público não for colocado em primeiro plano, corre-se o risco destas notícias se constituírem em peças falsas, releases hipócritas como aqueles que proclamam os transgênicos como a salvação da fome do mundo, alguns medicamentos como pílulas mágicas e muitas agroquímicas e mineradoras como sustentáveis, o que contraria a teoria e a prática.

A comunicação empresarial está, pois, diante de um dilema: abrir mão de um modelo tradicional, retrógrado, que vê a comunicação dialógica como risco ou adotar um modelo novo, democrático, em conformidade com os novos tempos, e que contempla a comunicação como oportunidade. É evidente que, ao se exporem mais à análise dos públicos e da sociedade, as organizações se tornam mais vulneráveis, particularmente se "têm rabo preso" ou "culpa no cartório". Mas aquelas que agem desta forma, abrindo as portas e as janelas para o mundo, apoiadas numa gestão realmente democrática, transparente, ganham um bônus importante, decisivo: conseguem efetivamente aumentar a sua credibilidade e, portanto, criam condições para serem percebidas como líderes e referências.

A adesão a este novo modelo tem a ver com a implementação de culturas organizacionais avançadas, sinergicamente identificadas com os valores básicos da transparência e da cidadania e que respeitam a divergência de idéias e opiniões.

Temos muito a avançar neste sentido e, por isso, a própria gestão da comunicação sobre riscos em nossas organizações ainda se encontra muito distante do patamar ideal, porque tem estado atrelado a uma filosofia autoritária de relacionamento com os "stakeholders", incluindo os veículos e jornalistas.

As organizações não podem evitar o envolvimento em temas controversos porque eles estão aí e as incorporam, queiram ou não. O jeito, então, é capacitar-se para enfrentá-los, assumindo uma comunicação moderna, que não compactua com o sigilo, a mentira, o processo de cínico de manipulação ainda desencadeado por campanhas, releases e ações de comunicação de boa parte das organizações que aí estão.

Como o mercado tem uma tendência a buscar "receitas de bolo" para resolver questões controversas, fica aqui a advertência da Graça Monteiro, ao final de sua tese: "é preciso muito mais que manuais de procedimento para comunicação de riscos controversos. É preciso, mais que tudo, ter coragem de correr os riscos de mudar!".

Em tempo 1: a tese da Graça Monteiro examinou especificamente a comunicação da Embrapa focada na questão dos transgênicos e, como era de se esperar, percebeu como um parceiro bastante mal visto por determinados públicos - a Monsanto - com quem tem um contrato bastante contestado para pesquisa e produção de transgênicos, pode dificultar o trabalho e ameaçar a imagem da organização. Fica aí o alerta: é sempre bom avaliar a trajetória dos parceiros porque o mercado e a sociedade continuam considerando como verdadeiro o velho ditado: "dize-me com quem andas e te direi quem és". A Embrapa sofre bastante em sua imagem em função deste abraço apertado que deu na Monsanto. Isso significa que, pelo menos nesse nível, a contaminação causada pelos transgênicos é realmente inevitável.

Em tempo 2: a tese da Graça Monteiro se intitula: Ciência e risco: a controvérsia como procedimento da comunicação pública num contexto democrático. Como há uma determinação desde 2008 para que os Programas de Pós- Graduação das universidades coloquem em seu Portal as dissertações e teses disponíveis para download, provavelmente logo ela estará lá. Vale a pena consultá-la: é um trabalho consistente, atual e que convida ao debate e à reflexão. Nossos parabéns para a jornalista Graça Monteiro e para a Embrapa que, novamente, estimulou um trabalho deste nível. Você sabia que não há outra organização no Brasil que tenha tantos mestres e doutores em comunicação como a Embrapa? Pois é, as universidades bem que deveriam seguir este exemplo. Eu sei, para muitas delas, a pesquisa não é importante: elas não passam de meras distribuidoras de diplomas e encaram a educação como um produto qualquer (sabonete, papel higiênico etc). Está na hora de o governo fazer uma limpeza ética e de competência no universo educacional. Mas ele quer?


Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç