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Felicidade interna bruta

“A felicidade é tão importante que um país inteiro passou a atuar com o objetivo de aumentar o bem-estar de seus cidadãos”, escreve a psicóloga Sonja Lyubomirsky no livro A Ciência da Felicidade. Sonja refere-se ao pequeno Butão, um reino incrustado na cordilheira do Himalaia, primeiro país a colocar em prática o conceito de felicidade interna bruta. Alternativa ao tradicional PIB, o FIB é um conjunto de indicadores destinado a medir o bem-estar da população, expandindo a definição de prosperidade como mera equação entre produção e consumo. A ideia de progresso é dividida em nove dimensões: bom padrão de vida econômica, boa governança, educação de qualidade, saúde eficiente, vitalidade comunitária, proteção ambiental, acesso a cultura, gerenciamento equilibrado do tempo e bem-estar psicológico.

A experiência soa encantadora, mas, em termos práticos, o que se pode fazer com ela? É possível levá-la a outros países, mais ricos? Ao ambiente de negócios? O médico canadense Michael Pennock, consultor da Organização das Nações Unidas para a internacionalização do FIB, diz que sim. “Às vezes, quando cruzam com esse conceito pela primeira vez, as pessoas imaginam um mecanismo religioso, budista”, afirma Pennock. “Mas trata-se de um sistema científico. Sou um epidemiologista e minha atração pelo FIP é científica, e não filosófica ou religiosa. Ele tem aplicações fora do Butão, por representar boa ciência empírica.”

O próprio Karma Dasho Ura, coordenador das pesquisas do FIB no Butão, diz que o sistema é neutro em relação a crenças. “Ele pode ser adotado em qualquer ambiente cultural. Você não precisa pertencer a esta ou àquela religião”, afirma Ura. “As pessoas querem viver em uma sociedade na qual a felicidade coletiva seja a meta mais importante. E é disso que o FIB trata.” Ura acredita que a experiência de seu país pode, em princípio, influenciar outros povos. “Mas é necessário ter um líder iluminado, e que seja uma aspiração das pessoas comuns”, diz. Ele admite que a estrutura econômica e social de outros países é complexa demais para o FIB. “Esse é o desafio. O Butão é uma sociedade menor e acostumada à ideia de que todo mundo deseja felicidade. Talvez em outros países haja dúvidas sobre isso.”

Embora o termo FIB tenha sido cunhado pelo rei butanês Jigme Singye Wangchuck, em 1972, sua encarnação moderna é resultado de uma série de conferências internacionais que o Butão tem organizado, reunindo cientistas e pensadores. Pennock e sua mulher são parte desse processo. Eles passaram três meses no Butão, ajudando a elaborar uma pesquisa para a medição da felicidade interna bruta. Depois trabalharam com um grupo que desenvolveu uma versão internacional, mais curta, da pesquisa, que, no final do ano passado, estava sendo aplicada em Victoria, no Canadá.

“Qualquer país pode usar a pesquisa”, diz Pennock. Um dos principais fatores é o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. “No FIB, o emprego é visto como uma entre muitas atividades produtivas, incluindo ser pai e mãe.”

Pesquisas mostram que pessoas felizes são melhores funcionários, mais produtivos e ótimos para atuar em equipe. Em tempos de caça aos talentos, isso não pode ser ignorado. “Gente infeliz não projeta nada novo”, diz Karma Ura. O segredo, segundo ele, é equilibrar o uso do tempo. “Seis horas de trabalho energético são suficientes”, afirma. “O resto do dia deveria ser liberado para lazer cultural, socialização, atividade física”, afirma.

Quando as pessoas saem da pobreza, há um aumento dramático da felicidade. Mas à medida que a renda fica mais alta, esse crescimento torna-se cada vez menor. Uma pesquisa americana indica que, quando a renda de uma família vai além de US$ 80 mil ou US$ 90 mil por ano, o aumento da satisfação causado pela melhora nos rendimentos torna-se irrisório. Entram em cena outros fatores, como a chamada vitalidade comunitária (confiança entre vizinhos, colaboração entre moradores do mesmo bairro). E ela não necessariamente avança com a melhora da renda. Os Estados Unidos, por exemplo, aumentaram seu PIB em três vezes nos últimos 50 anos e, neste período, a vitalidade comunitária caiu.

Para as empresas, vitalidade comunitária é também importante. Uma pesquisa do Gallup, nos Estados Unidos, com 2 milhões de empregados de 700 empresas, revelou que, para um funcionário, mais importante do que a renda é a sensação de suporte por parte do chefe. E que o fator que mais contribui para a melhoria do desempenho e da satisfação, evitando que ele saia da empresa, é ter um bom amigo no trabalho. “Vitalidade comunitária é um capital social essencial para o sucesso de uma empresa”, diz a psicóloga e antropóloga americana Susan Andrews, coordenadora do FIB no Brasil. Ela diz já ter sido procurada por várias companhias nacionais interessadas em se tornar “empresas FIB”. Vale aqui a compreensão de que o FIB pode ser considerado uma versão sofisticada do triple bottom line (lucro financeiro, social e ambiental), tão em voga nas empresas.


Fonte: epocanegocios.globo.com

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