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Imprensa, crise empresarial e limpeza de imagem

Se é mesmo verdade que a imprensa adora uma crise e se delicia com um escândalo, o momento é agora. A crise da Mattel não é brinquedo, a crise da TAM ainda está pegando fogo, e a das construtoras inclui amantes em Brasília e buracos em São Paulo . Já a crise da Philips saiu daqui, foi para o Piauí e voltou com tudo. Tem crise pra todo mundo e de todos os gostos.

Mas a verdade é que, ao contrário do que muita gente pode imaginar, as crises não acontecem por acaso e há, invariavelmente, um culpado na história. Quase sempre, tentando tirar o corpo fora, buscando justificativas para as mazelas cometidas e acreditando que um esforço "competente" de comunicação poderá salvar a pele das empresas e de seus executivos.

Toda crise tem um perfil particular. Como todo incêndio, ela não começa com labaredas de 100 metros, mas com uma simples chama, quase imperceptível, que vai se alastrando pouco a pouco, alimentada pela incompetência, omissão, ganância e falta de planejamento.

A Mattel deveria saber que a terceirização a partir da China envolve sempre riscos, embora possa, a curto e a médio prazos, garantir lucros extraordinários. Os problemas decorrentes da baixa qualidade de fabricação dos produtos naquele País pipocam todo dia na mídia, mas, quando se vive num mundo de bonecas e super-heróis, fica difícil mesmo contemplar a realidade. O mundo real não está pra brincadeira, mas a cultura de gestão da Mattel estava de olho num parque de diversões.

A TAM poderia ter previsto que um reverso pinado acabaria redundando em uma tragédia, sobretudo quando as condições da pista de Congonhas e o mau tempo não favoreceriam. A outra tragédia da TAM também se deveu a um problema no reverso e era preciso ter aprendido a lição. Com reverso não se brinca e , convenhamos, não vale agora reforçar a tranca depois que a porta foi arrombada. Pais, mães e filhos que perderam seus entes queridos - e nós todos que estamos solidários com eles - não deixaremos jamais que a TAM e as autoridades que cuidam do setor aéreo abafem essa crise jogando cimento em cima.

Muitas construtoras têm crises permanentes: cai prédio e ponte ali e acolá, nem sempre as relações com os parlamentares e governos são transparentes e os buracos do Metrô costumam encher as telas das televisões. Esse negócio de fazer tudo debaixo dos lençóis não dá certo e alguém (como ficam as suas assessorias de comunicação nessa história?) precisa convencê-las de que o sol, na sociedade da informação, anda muito forte para ser tapado com peneira. Coisas de alcova também costumam vir à tona porque toda paixão às escondidas anda no fio da navalha das crises.

A crise da Philips parece de outra ordem e talvez um bom programa de media trainning teria ajudado o seu presidente a evitá-la. Certamente, há muitos como ele que alimentam preconceito em relação ao Piauí (embora incluam o Estado como fornecedor de seus lucros porque dinheiro não tem cheiro nem cor, não é verdade?), mas há certas coisas que não se fala ou faz (o top-top do assessor do Lula) em público ou com a janela aberta.

Não há, com certeza, mais crises hoje do que sempre tivemos: o problema é que agora elas são facilmente reconhecidas, veiculadas e ganham uma dimensão planetária em poucos segundos. O presidente da Philips deveria saber que o Piauí inteiro pode escutar hoje o que ele fala no banheiro ou escreve num e-mail interno. A Merck aprendeu (embora continue, hipocritamente, tentando vender até agora uma versão contrária) que não dava para esconder a verdade por muito tempo: o Vioxx era um problema e pronto. Está fora do mercado e continua dando uma enorme dor de cabeça (daquelas que a indústria farmacêutica não tem remédio pra curar!).

As empresas precisam se convencer, de uma vez por todas, que a melhor solução é prevenir as crises, o que se consegue com uma gestão e uma cultura de comunicação afinadas com os novos tempos. O mercado já dispõe de um kit de ferramentas para evitar que elas eclodam. Ele inclui ética, transparência, respeito ao consumidor, compromisso com o interesse público, foco na comunidade etc. Não faz parte do kit "o lucro a qualquer custo". Algumas empresas andam com a "síndrome do olhar vesgo" e costumam perceber como públicos de interesse apenas ou prioritariamente os acionistas, e no seu mundo particular , em vez de pessoas, existem IPOs, taxas de juros, cotação do dólar , fusões e aquisições, dividendos e ações.

A comunicação moderna exige uma nova postura. Não é razoável, é mais caro e quase sempre não funciona tentar contratar agências (há muitas disponíveis, infelizmente, para a execução desta tarefa) para o trabalho de "limpeza de imagem". Não adiantam contra-informação, manipulação da opinião pública, campanhas publicitárias ou mesmo "molhar a mão" de determinados veículos (muitos adoram projetos de mercado e publieditoriais e lucram com as crises dos outros) para que veiculem informações falsas.


O fumante passivo também pode desenvolver câncer por causa do cigarro e não adiantou a indústria tabagista tentar esconder esse fato por algum tempo. Não é inteligente continuar dizendo que agrotóxico é defensivo agrícola porque veneno mata mesmo. Plantação de eucaliptos não é floresta porque floresta de verdade é aquela que tem valor quando fica de pé. Não adianta insistir no cínico "beba com moderação" , obrigatório nas campanhas de cerveja, quando a mesa do bar, nas peças publicitárias, está repleta de garrafas e a turma está pedindo mais uma. Os acidentes com carros continuarão matando os jovens porque a imagem é mais sedutora do que a frase dita ao final do comercial, muitas vezes em tom de deboche.

As crises existem porque as empresas e a sociedade têm dado permissão para que elas ocorram. Elas ocorrem porque a comunicação não é, na maioria dos casos, estratégica coisa alguma e vem a reboque para apagar os incêndios cometidos por empresários e chefias inescrupulosos e incompetentes. Todo incêndio deixa seqüelas (a TAM vai acabar aprendendo mais essa lição) e a comunicação, o marketing e a imagem das empresas, quando ele ganha força, costumam virar cinzas.

O negócio não é limpar a imagem, mas evitar a sujeira. Toda "pílula de farinha" gera filhos indesejados. Em São Paulo e no Piauí.


Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br

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